O futuro incerto do Mais Médicos

Novos planos do ministro incluem contratação por CLT, especializações em Saúde da Família, mas chama atenção uma nebulosa “flexibilidade” em regiões mais inóspitas. Leia também: como o Dr. Consulta quer controlar o Brasil; e muito mais

Foto: José Cruz/Agência Brasil
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Por Maíra Mathias e Raquel Torres

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O QUE DEVE MUDAR NO MAIS MÉDICOS

O ministro Mandetta foi entrevistado pela repórter Fernanda Odilla, da BBC, e a maior parte do tempo foi dedicada a detalhar melhor a formulação do novo Mais Médicos – que, de acordo com ele, já está “ok” em sua pasta, faltando apenas terminar os diálogos com o MEC e o Ministério da Economia. Uma promessa é a de que os médicos não sejam mais bolsistas, e sim celetistas, o que, segundo o ministro, vai diminuir as desistências.

Outra é que nos dois primeiros anos todos os participantes façam especialização em Saúde da Família –  no modelo atual, eles cursam especialização em atenção básica à saúde. Ampliar a oferta de programas de residência em medicina da família e comunidade foi um dos pilares do Mais Médicos, e, nos seus cinco anos de vigência, essa oferta cresceu 260%. O problema é que a adesão é baixa: segundo uma apuração da Folha no ano passado, quase 70% das vagas estavam ociosas.

Há mudanças que estão nebulosas e são questionáveis. Por exemplo, deve haver mais flexibilidade dependendo da região: “Uma comunidade indígena, por exemplo, pode ficar 15 dias, 20 dias. Volta e vai outro”. A frase, curta, não deixa claro se nesses casos não vai ser importante ter profissionais que estabeleçam vínculos com a comunidade. Mas deve haver remunerações mais altas em lugares inóspitos – “fazer com que as pessoas sejam mais valorizadas para o chamado Brasil profundo”. 

Estabelecer o trabalho voluntário de formados em instituições públicas está fora de questão – para Mandetta, isso seria “trabalho civil obrigatório”, teria que ser exigido em todas as profissões e iriam “todos os advogados, filósofos, engenheiros, para o trabalho civil comunitário”. 

Em tempo: a versão campineira do Mais Médicos foi sancionada pelo prefeito Jonas Donizette (PSB), mas com veto à emenda que autorizava a participação de médicos brasileiros formados no exterior e estrangeiros sem registro no país. 

OUTRO FOCO

Brasil e Reino Unido lançaram na segunda-feira o acordo Saúde Melhor. Um fundo criado pelos ingleses disponibilizará, em quatro anos, até R$ 75 milhões para o fortalecimento de áreas consideradas estratégicas para o SUS, como atenção básica, incorporação de tecnologias digitais e padrões internacionais de uso de dados nos ciclos de pesquisa. 

Francisco Funcia, da comissão de Financiamento do Conselho Nacional de Saúde, escreveu ao Outra Saúde afirmando que seria oportuno que a cooperação entre os governos britânico e brasileiro tivesse escolhido outro ponto estratégico para o SUS, o financiamento adequado. Enquanto por aqui o gasto público com saúde corresponde a apenas 4% do PIB, por lá é quase o dobro disso. O economista lembra ainda que o orçamento federal da saúde em 2018 sofreu uma perda de R$ 10 bilhões. “Por que não se comenta isso? Isso explica muita coisa que está acontecendo – grande redução do programa Mais Médicos, falta de medicamentos transferidos para estados e municípios…”. 

Na entrevista de Mandetta à BBC, que mencionamos acima, a repórter destacou o baixo valor da parceria. “No nosso país, todo dinheiro é bem vindo”, respondeu Mandetta… Sem nenhuma alusão ao desfinanciamento. 

NOVO DOMÍNIO

“Enquanto um monte de gente está tentando imitar o dr. consulta, pensando em onde abrir a próxima clínica, estamos pensando em como dominar o Brasil e a América Latina sem precisar de novos pontos físicos”. A frase é do fundador do dr. Consulta, Thomaz Srougi, que explicou ao Brazil Journal seus planos de transformar a empresa – que lançou no país o modelo de clínica popular – em uma healthtech. O dr. consulta já coleta e processa milhões de dados dos pacientes e, agora vai usar esses dados para “gerar valor” na cadeia da saúde.

A ideia é oferecer um produto voltado a planos de saúde, em que o dr. consulta ficaria responsável pelo atendimento primário e secundário dos pacientes dos planos, cobrando um valor fixo mensal por pessoa. E os dados entram nessa história como uma ferramenta: a partir deles, mede-se o grau de risco de saúde de cada paciente. Quanto mais ele usa a rede, mais preciso fica o modelo preditivo. 

RECUO

Poucas horas depois de o porta-voz do Planalto, Otávio Rêgo Barros, ter anunciado que o governo não revogaria os decretos que flexibilizam a posse e o porte de armas e munições, Jair Bolsonaro anulou as medidas em edição extra do Diário Oficial. O presidente, contudo, editou outros três decretos que tratam de pontos consensuais entre Executivo e Legislativo. É o caso da posse de armas de fogo e da flexibilização das normas para colecionadores, caçadores e atiradores. 

Já os pontos ‘polêmicos’ (ou ultrajantes, você escolhe) da agenda armamentista de Bolsonaro foram incluídos em um projeto de lei que será enviado ao Congresso em regime de urgência e modifica o Estatuto do Desarmamento. O acordo foi firmado entre o ministro da Casa Civil e os presidentes da Câmara e do Senado. Rodrigo Maia se comprometeu a votar o PL em até 45 dias. A bancada da bala não gostou da manobra. “A gente até desanima de defender o governo”, desabafou o deputado federal Capitão Augusto (PR-SP).

Hoje, o Supremo julgaria inconstitucionalidades dos antigos decretos. Com o recuo do governo, o presidente do STF Dias Toffoli desmarcou o julgamento. 

MAIS REAÇÃO

A leis das agências reguladoras foi sancionada ontem, com vetos. Conforme esperado, Bolsonaro tirou o artigo que previa que ele deveria respeitar uma lista tríplice para a indicação de dirigentes. Fazendo jus ao MMA em que se transformou a relação entre poderes da República, parlamentares prometeram derrubar o veto presidencial. A senadora Simone Tebet (MDB-MS), uma das relatoras da proposta, afirmou que o veto atingiu o que era a “essência” do projeto. “É um projeto antigo que quase não altera a competência do presidente. Não tem por que esse governo vetar nada. Acho que há um sentimento na Casa para derrubar o veto sim”, disse por sua vez o deputado André Figueiredo (PDT-CE).

GÊNERO E SEXO

Segundo informações da Folha, nas últimas semanas o comando do Itamaraty enviou a seus diplomatas uma instrução bem específica: que em foros multilaterais, como a ONU, reiterem “o entendimento do governo brasileiro de que a palavra gênero significa o sexo biológico: feminino ou masculino”. Como sabemos, a luta dos movimentos progressistas é para que gênero e orientação sexual sejam retirados do reino do determinismo biológico e encarados como construções sociais. Apesar de uma pessoa nascer com órgãos sexuais de mulher, ela pode se identificar com o gênero masculino e vice-versa. “Se tal ordem não for imediatamente revertida, o Brasil se unirá a diplomacias que propagam posições retrógradas em espaços internacionais, ignorando avanços nacionais e globais na luta contra desigualdades e preconceitos”, disse ao jornal Camila Asano, coordenadora da ONG Conectas.  

No Legislativo a situação não é muito melhor. O PSOL protocolou um mandado de segurança no STF para pedir que a MP do pente-fino no INSS voltasse à Câmara dos Deputados. É que no Senado, a palavra “gênero” foi trocada para “sexo”. O partido argumenta que isso altera o mérito do texto. Já a Advocacia do Senado alegou ao STF que a mudança é “irrelevante”.

A CAMPANHA DE TERRA

Uma jovem presa em uma parede verde de uma sala decorada ao gosto da classe média brasileira. Essa é uma das imagens escolhidas pelo Ministério da Cidadania para sua campanha de conscientização contra o uso de entorpecentes. “Você nunca será livre se escolher usar drogas” é o lema. O lançamento das peças publicitárias veio acompanhado de uma mensagem do ministro Osmar Terra, que reafirma – contra as evidências científicas disponíveis – que o país vive “uma epidemia de drogas”. 

O VALOR DA CADEIRINHA

Entre 2010 e 2018, apesar de a frota de veículos ter dobrado de tamanho no país, chegando a 54,7 milhões, houve redução de internações graves e mortesem crianças de até nove anos transportadas em carros. Graças à obrigatoriedade da cadeirinha e do cinto de segurança no banco de trás dos carros. No período, foi verificada uma redução de um terço nessas internações e em 20% das mortes. Os números são de um estudo do Conselho Federal de Medicina feito em parceria com a Associação Brasileira de Medicina de Tráfego e com a Sociedade Brasileira de Pediatria.  

QUEM SÃO OS GESTORES

Um questionário enviado a todos os secretários municipais de saúde e respondido por 70% deles buscou traçar o perfil desses gestores de saúde. Para começar, são em geral gestoras: “Hoje, no Brasil, [o perfil médio] é de uma mulher branca, com aproximadamente 50 anos e pós-graduada, provavelmente é formada em enfermagem e já atuou na atenção básica antes de assumir a gestão”, resume o pesquisador André Bonifácio, da UFPB, que conduziu o estudo.

PODE FAZER MAL

Usando camundongos, cientistas da USP e da Unicamp estudam há décadas os impactos no organismo do excesso de exercícios físicos. Em artigo publicado no Cytokine, expuseram os resultados: os bichinhos que passaram por treinos intensos durante oito semanas tiveram alterações (algumas prejudiciais) no coração, fígado, músculos e sistema nervoso. Segundo o coordenador da pesquisa, Adelino Sanches da Silva, o prolema não é o exercício intenso em si, mas a falta de períodos de descanso. 

SOBRE HOLIDAY E AS MULHERES

Como dissemos, o vereador de São Paulo quer restringir ainda mais o acesso ao aborto legal e estabelecer internação psiquiátrica para gestantes que “indiquem propensão ao abortamento ilegal”. No Saúde Popular, a advogada e integrante da Marcha Mundial das Mulheres Carla Vitória escreve: “A hipocrisia do projeto de Holiday é mais uma manifestação do avanço conservador sobre os corpos e a sexualidade das mulheres. Uma das principais ferramentas de repressão patriarcal é tratar as mulheres que não obedecem ao sistema como loucas, como se precisassem de tutela, subtraindo sua autonomia”. 

FALTA DEMOCRACIA

O levantamento Índice de Percepção da Democracia, realizado em 54 países, ouviu 150 mil pessoas. No Brasil, 58% dos entrevistados consideram que o país não é democrático o suficiente. E 79% afirmam que a democracia é importante.

EM CAMPANHA

A Denem começou esta semana a campanha ‘Estudantes na luta com o SUS e para além do SUS‘, tendo como norte a participação na 16ª Conferência Nacional de Saúde. 

AGENDA

Está prevista para hoje a votação do projeto de lei de Janaína Paschoal (PSL) que garante à gestante a opção por cesárea no SUS sem indicação clínica. A votação da Assembleia Legislativa de São Paulo acontece a partir das 14h30, segundo a agenda da  Alesp.

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