Resenha Semanal

26 de julho a 2 de agosto. As novas posições no tabuleiro permitem aberturas: fala-se em impeachment de Bolsonaro e queda de Dallagnol. Para a esquerda, falta achar o seu caminho de luta.

“O trapezista morre quando pensa que pode voar…”

Estamos no rescaldo da periclitante montanha-russa política que foi a semana pasada: a cartada golpista de Moro fracassou. Ele não caiu, mas saiu queimado… Restaram ainda mil lacunas nas histórias dos hackers, há versões e contra-versões, mas aumentou o consenso de que a Lava Jato precisa ser contida de alguma forma.

Várias vozes institucionais importantes se levantaram, mas talvez ainda tímidas. Os jornalões parecem ainda hesitar e bipolarmente reclamam de Bolsonaro ao mesmo tempo que sublinham o “autoritarismo do PT”. Essa falsa simetria que espelha Bolsonaro e PT (extrema-direita \ esquerda moderada) é de matar, mas parece que vai ser a posição da direita não extremista e dos odiosos isentões.

Mas de alguma forma a guinada autoritária de Bolsonaro, sinalizada através de verborragia escabrosa e desatada, não pareceu prosperar fora de sua bolha. Assim, Moro ainda não cresceu no colo de Jair, onde veio se refugiar. Está chamuscado.

No final de toda a trama alucinante dos hackers, algumas certezas: como diz AM, há mais de um vazamento – um do celular de Dallagnol, que é o do Intercept, e outro maior, em posse da PF agora, que não dever ser o fruto do hack dos araraquarenses, mas de algum outro aparato muito mais poderoso, um clássico “inside job”.

A semana também acolheu muitas Madalenas arrependidas. A figura de Madalena no cristianismo não é claramente delineada. Prevalece no imaginário popular cristão a imagem da prostituta arrependida que abandona o pecado para se dedicar inteiramente ao cristo da hora, para ciúme dos apóstolos. Algumas tradições apontam-na como esposa do jesus. A hierarquia católica não reconhece-a deste modo, mas ela sobreviveu na imagem das pessoas que se arrependem mais ou menos publicamente de escolhas que fizeram no passado.

O cordão brasileiro das madalenas foi engrossado com várias declarações de bolsonaristas ativos e passivos. Renan Santos e Arthur do Val (Mamãe Falei) do MBL e Reale Júnior são exemplos. Até o escrotíssimo governador de São Paulo João Dória afirmou mentirosamente que “nunca me alinhei com Bolsonaro”. A evidente inverdade é desmascarada por foto dele com a camiseta da campanha “Bolsodoria”. Canalha!

Dá muita raiva ver gente que fez acontecer ou deixou acontecer Bolsonaro agora dizer “Ô, foi mal aí” achando que está tudo bem. Quero ver eles reverterem o estrago que fizeram, trabalhar para soltar e inocentar Lula, persuadir seus seguidores de lutar pela democracia e me convencerem de que nunca mais avalizam a minha morte (Bolsonaro prometeu nos matar e eles ou endossaram ou ficaram em casa).

De qualquer forma, surgiu na pauta política o impeachment de Bolsonaro, que parece prosperar modestamente. Há inúmeros problemas com isso, o primeiro sendo que isso não resolve o problema da indigência organizativa e mobilizatória da esquerda. Pessoalmente, prefiro a anulação das eleições de 2018, que foram fraudadas em vários níveis, e radicalizar a mobilização para além da restauração de um imaginado estado democrático pré-2016, apostando num futuro mais ousado. O impeachment de Bolsonaro resolve apenas o problema do atual operador de maldades, do capataz “que fará jorrar sangue demais”, como cantou Caetano nos idos dos anos oitenta. Além disso, isso permitiria que setores da direita se redimissem e lavassem seus pecados sem retratação, permanecendo no escroto lugar do “sou contra os extremismos de direita e de esquerda”. O presidente seguinte, Mourão ou não, executaria o mesmo programa com mais inteligência, talvez com menos sangue.

Mas hoje em dia acolho qualquer caminho que insira alguma indeterminação no processo: novas eleições, a soltura de Lula, greve dos caminhoneiros, greve de sexo, secundaristas, levante indígena, Black Blocks, porra, qualquer coisa que desmumifique o Brasil: mais do mesmo não vai dar!

A esquerda precisa ser transformista e não preservadora para conquistar corações e mentes: precisa ousar e ser mais radical do que o presente, do que a retórica mentirosa da extrema-direita. Gilmar Mendes não vai restaurar um estado democrático que nunca existiu, nem Glenn Greenwald vai montar o campo popular.

Escrevia esta Resenha na mesa do boteco e um rapaz veio conversar . Disse que seu pai tem uma empresa de engenharia e que conhecia a corrupção do poder público em geral. Disse que Haddad na verdade não é corrupto e ele pôde comprovar pessoalmente, trabalhando na empresa do pai. Disse ter votado nele no primeiro turno, mas que no segundo votou em Bolsonaro, pois não queria ver o PT voltar.

Tentei ouvir muito e percorrer um suave caminho de desbolsonarização, dar uns toques e deixar isso impactar na vida dele. Mas acabou que algumas narrativas da campanha de ódio permaneciam no seu discurso (ele muito gentil pessoalmente), e eu acabei dizendo que ele tinha avalizado minha morte, pois o Bozo prometeu matar ativista e petralha, exalta a tortura etc. Levantei a voz e apontei o dedo. Acabou que ele saiu fora, e entendi que eu não estou pronto ainda para perdoar e esquecer.

27 de julho

Hoje garimpeiros invadiram a aldeia de Waiãpi, localizada em Pedra Branca do Amapari, Amapá, e assassinaram uma liderança indígena do local. A notícia repercutiu muito e reforçou a sensação de que os ataques às forças populares no geral aumentou. Mesmo que muitos dos decretos do governo ainda tramitem ou até mesmo sejam revertidos em outras instâncias, parece que muitos grupos se sentem seguros no liberou geral: fazendeiros, posseiros, garimpeiros, milicianos, militares, gangsters, fascistas em geral, policiais de vários departamentos…

28 de julho

Saiu no site da Forum que o Renan Santos do MBL admite que foi um erro o MBL ter polarizado e radicalizado no discurso, apoiando Doria e Bolsonaro. “Era fácil e gostoso polarizar”. Grrrr! E também Reale Júnior se retratou, o autor do impeachment que tirou Dilma da presidência – isto é, a exata pessoa que, com Janaína Paschoal, abriu a caixa de Pandora do inferno que se seguiu…

29 de julho

Estourou uma rebelião em presídio no Pará, muitos mortos (mais de 50) e alguns decapitados.

Hoje foi o dia da escabrosa declaração de Bolsonaro contra o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz. Sugeriu hoje e explicitou depois que seu pai (de Felipe) não teria sido morto pelo estado brasileiro, mas pela esquerda: “você não quer saber como seu pai morreu”. Mas um documento secreto da Marinha, no processo da Comissão da Verdade, indica o contrário.

30 de julho

Uma bizarra situação foi a transmissão ao vivo pela internet do presidente, na cadeira do barbeiro, que cortava seu cabelo. O presidente faltou a um encontro com o chanceler da França para fazer essa live.

A fala repercutiu bastante e atraiu muitas críticas, inclusive de fora da esquerda. Rodrigo Maia gravou vídeo de apoio a Glenn, mais ou menos, afrontando o presidente.

Foto: Alice Vergueiro

Hoje teve ato em defesa de Glenn Greenwald e da liberdade de imprensa. Fui ao ato em São Paulo, no MASP.

O ato no Rio foi na sede da ABI, e centenas de pessoas lotaram o recinto, foi bonito. Em São Paulo, foi no MASP e contei umas 250 pessoas ao todo. Não foi super grande, mas deu um gostinho do que pode vir a ser o futuro próximo. Senti a falta de mais jovens, mas foi legal ver gente que eu não conhecia reunida ali na noite de quarta-feira. Não foi movimento que chamou, tudo parecia meio improvisado, mas rolou. Fiquei contente.

31 de julho

“Bolsonaro vive alucinado nas trevas” declarou Reale Junior. Pois é, gato, são as trevas que você soltou no mundo…

Assassinato do cacique Waiãpi ainda repercute, mas PF diz que não achou indícios de invasão da aldeia…

1 de agosto

Um decreto de Bolsonaro demitiu a presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, Eugenia Gonzaga. A exoneração aconteceu um dia depois de Eugenia ter se manifestado contra a declaração de Bolsonaro sobre a morte de Fernando Santa Cruz, desaparecido político. Um militar e vários membros do PSL foram nomeados hoje para a Comissão, com a justificativa de que agora “o governo é de direita”.

A solidão do porta-voz…

Um vídeo viralizou nas redes: o porta-voz da presidência, Otávio Rego Barros, se enrolou ao tentar passar a posição oficial do Planalto sobre a Vaza Jato: que Glenn Greenwal cometeu crime. Só que um jornalista insistiu em saber qual era o crime exatamente. O porta-voz se atrapalhou, gaguejou e só conseguiu repetir “Não há dúvida sobre o crime”. Hilário e desesperador.

Hoje o Supremo Tribunal Federal voltou de férias e teve sessão, que foi esquentada pelas novas revelações da Vaza Jato, onde Deltan busca atacar o ministro Dias Tofolli, através da obtenção de dados confidenciais da Receita Federal, como represália a posições críticas à Lava Jato por parte do atual presidente do STF e de Gilmar Mendes. Daltan nos diálogos: “Quem aposta que Toffoli cai até o fim da LJ? Por enquanto a aposta de que cai para mais, mas a coisa pode se inverter kkkk”. Gilmar Mendes, a respeito, citou Mario Henrique Simonsen: “O trapezista morre quando pensa que pode voar”.

O ministro Fux determinou que os dados hackeados em posse da Polícia Federal não podem ser destruídos, como queria Moro. Além disso, o Tribunal contrariou o Planalto e mantém a FUNAI no ministério da Justiça e não o da Agricultura. Por fim, ficou decidido que a suspeição de Moro, pedida pela defesa de Lula vai ser julgada no dia 14 deste mês.

2 de agosto

Repercutem as decisões do STF: o Tribunal vai ficar com cópia dos dados hackeados (explosivo!!). Alexandre Moraes determinou a suspensão da investigação na Receita Federal sobre 133 contribuintes, entre os quais Gilmar Mendes e Roberta Rangel, e mandou afastar dois servidores do órgão que atuaram nessa investigação. Bolsonaro tem 30 dias para explicar suas declarações sobre Fernando Santa Cruz, o pai do presidente da OAB.

Repercute a pressão sobre o INPE, que mede o desmatamento da Amazônia. De fato, o presidente demitiu o diretor do instituto hoje de manhã. Bolsonaro reclamou que os dados estão errados e diz que vai licitar outra empresa medidora.


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