“Médicos pelo Brasil” começa com ataques e mentiras

Bolsonaro faz do lançamento do programa festival de fake news sobre o Mais Médicos e seus adversários. Leia também: como é a exploração de indígenas em garimpos ilegais; debate eleitoral nos EUA deixa de fora a epidemia de opioides

.

Por Maíra Mathias e Raquel Torres

MAIS:
Esta é a edição de 2 de agosto da nossa newsletter diária: um resumo interpretado das principais notícias sobre saúde do dia. Para recebê-la toda manhã em seu e-mail, é só clicar aqui.

ATACANDO MOINHOS DE VENTO

Desde que Cuba anunciou sua saída do programa Mais Médicos, passaram-se nove meses. Foi o tempo da gestação da resposta do governo Jair Bolsonaro a um problema que o próprio presidente criou. Antes da temporada de declarações raivosas diárias, em cartaz atualmente, Bolsonaro colocou a saúde de milhões de brasileiros em risco ao dizer, ainda em campanha, que “expulsaria” os médicos cubanos do Brasil. Ontem, estava junto com o ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta para lançar o programa de nome ufanista ‘Médicos pelo Brasil’. 

A iniciativa promete fazer mais com os mesmos recursos: mudar a forma de contratação de bolsa por CLT; aumentar os salários; pagar gratificações; tudo com os mesmos R$ 3,4 bilhões previstos para 2019. E com o Mais Médicos ‘rodando’ junto, para não criar vazios de assistência, como frisou Mandetta. E é um programa com vários detalhes. Mas, é claro, Bolsonaro fez questão de roubar os holofotes para si, dizendo que o Mais Médicos tinha o objetivo de formar “núcleos de guerrilha”; que o PT usou o programa para espoliar o povo “na base do terror, por um projeto de poder”; e que se “cubanos fossem bons, teriam salvado a vida de [Hugo] Chávez”. Mesmo em um momento propositivo, o presidente só funciona atacando moinhos de vento, jogando lenha na fogueira da polarização.

E falando mentiras:Estadão recuperou um vídeo em que Bolsonaro, da tribuna da Câmara dos Deputados, afirma que os médicos cubanos que trouxessem famílias para o Brasil estariam trazendo “10, 20, 30 agentes” da “ditadura castrista” para cá. Já ontem, o presidente criticou a proibição – inexistente – de que os profissionais trouxessem suas famílias para o Brasil, colando essa mentira… nem é preciso adivinhar: ao Partido dos Trabalhadores. De acordo com Bolsonaro, essa era “uma questão humanitária que foi estuprada pelo PT”. 

APEX DA SAÚDE

A grande novidade de ontem foi o anúncio da criação de uma Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde – que vai seguir o modelo da Apex, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, que parece ser uma obsessão do governo, cá entre nós. Através dela, será feita a seleção e a contratação dos médicos e tutores do programa. 

DETALHES

Muito sobre o Médicos pelo Brasil já foi adiantado em reportagens que resumimos e comentamos aqui. De todo modo, segue um apanhado geral: serão 18 mil vagas que poderão ser ocupadas por médicos formados no Brasil ou que tenham seus diplomas revalidados. A seleção acontecerá por meio de uma prova. A escolha do destino de trabalho terá a ver com a nota: aqueles com pontuações mais altas, terão uma gama de opções maior, que vai afunilando para os últimos colocados. 

Os salários oferecidos pelo novo programa ganharam destaque em toda a imprensa. Nos dois primeiros anos, os profissionais devem que não tiverem especialização em Medicina de Família e Comunidade deverão cursá-la. Nesse período, será paga uma bolsa-formação de R$ 12 mil, com gratificação de R$ 3 mil para locais remotos e R$ 6 mil para a atuação em distritos sanitários especiais indígenas, comunidades ribeirinhas e fluviais. Só depois de aprovados no curso é que os médicos serão contratados via CLT, com previsão de quatro níveis salariais, com progressão a cada três anos que o profissional continue no programa. Também há gratificação de desempenho vinculada ao alcance de indicadores de atendimento e satisfação dos usuários que pode variar de 11% até 30% em relação ao salário. Dessa forma, o primeiro nível salarial pode chegar até R$ 21 mil e o maior salário pode chegar a R$ 31 mil, considerando a gratificação por desempenho, local de difícil provimento e a gratificação de R$ 1 mil paga para os médicos que acumularem o cargo de tutor. Para efeito de comparação, o Mais Médicos pagava uma bolsa de R$ 11,8 mil. 

O governo anunciou que vai ampliar em sete mil o número de vagas oferecida pelo Mais Médicos, sendo quatro mil dos novos postos abertos nas regiões Norte e Nordeste. Ao todo, 4.823 dos 5.575 municípios brasileiros podem fazer parte do programa – mas a adesão das cidades será voluntária. Esses municípios serão classificados em cinco categorias: rurais remotos, rurais adjacentes, intermediários remotos, intermediários adjacentes e urbanos. As três primeiras categorias devem contar com 3,4 mil vagas do Médicos pelo Brasil. Outros critérios serão usados para medir a vulnerabilidade dos locais, como o número de beneficiários do Bolsa Família, do BPC e de qualquer benefício previdenciário que pague até dois salários-mínimos. 

GARIMPO ILEGAL

Na Vice, uma matéria fala da sensível questão dos indígenas que trabalham nos garimpos ilegais. – o elo mais fraco desse negócio. Há quatro entrevistas. Numa delas, Otávio Diahui preocupa: “A maioria das lideranças da Terra Indígena acha que a atividade é boa porque é uma alternativa de renda para comprar mantimentos, roupas, remédios. Só que tem uma minoria que fala que não é legal, que destrói o meio ambiente”. E outro, Daniel Zoró, mostra como os indígenas não ganham nada: “A gente do povo Zoró foi para o Cinta Larga, mas ninguém ganhou bem, todos desistiram. Eu trabalhei 45 dias e só pagaram 1.300 reais, não gostei porque foram 88 pedras de diamante. E também começava a trabalhar às seis da manhã e só parava as seis da tarde, todo dia. Não é muito bom porque a maioria fica na mesma situação e quem tem maquinário ganha um troco, mas não passa para a comunidade. Se tivesse garimpo na minha terra seria igual, o povo mesmo não ganha nada não. No fim, garimpo atrapalha muito porque dá malária, dá doença e contamina a água que vamos beber depois”.

ALGO BOM

Ontem o STF decidiu manter a liminar do ministro Luís Roberto Barroso suspendendo o trecho da medida provisória que transferia ao Ministério da Agricultura a atribuição de demarcar terras indígenas. A Câmara e o Senado já haviam rejeitado mudanças nas demarcações e mantido essa responsabilidade com a Funai, e o Supremo julgou a questão em definitivo. 

JÁ FOI

A Anvisa afinal publicou seu novo marco regulatório para a classificação de agrotóxicos. No anúncio do site, reafirma que a mudança foi “necessária” para  atender aos padrões do GHS (Sistema Globalmente Harmonizado de Classificação e Rotulagem de Produtos Químicos) e “ter regras harmonizadas com as de países da União Europeia e da Ásia, entre outros”. Porém, como mostramos aqui, a Folha já havia desmentido essa informação. O GHS considera que produtos que causam sérios danos oculares, irritações na pele, alergias, asmas e dificuldades de respiração devem ser incluídos na categoria mais alta de perigo. Mas, na reclassificação da Anvisa, só produtos que causem morte vão entrar nesse grupo. 

MAIS ARMAS, MAIS PREJUÍZO

Só em 2017 a violência no país gerou um prejuízo de R$ 373 bilhões: são gastos com o sistema prisional, a segurança pública e privada e também com o SUS.  A longa matéria da Revista Fapesp descreve os últimos estudos que relacionam a redução no acesso a armas de fogo e a redução das taxas de homicídio, e enfatiza que o desarmamento é uma questão de saúde pública. Só no SUS, as internações por ferimentos com armas de fogo custaram R$ 190 milhões aos cofres públicos entre 2015 e 2018. Como se não bastasse o fato de as pessoas morrerem, tem ainda o problema que, mesmo quando as vítimas sobrevivem, precisam de atendimentos em geral complexos, com internações, tratamentos e terapias custosas, cirurgias, colocações de próteses. “A saúde pública absorve os efeitos da violência armada, que acabam drenando recursos que poderiam ser utilizados à aquisição de novas tecnologias e medicamentos”, diz o sociólogo José Ferdinando Ramos Ferreira. 

FICOU NO VAZIO

Os debates para as eleições dos EUA estão a toda, como comentamos ontem, e entre os pré-candidatos do Partido Democrata o sistema de saúde é um tema onipresente. Mas, na Vox, German Lopez faz uma crítica importante. É que, até agora, eles não disseram nada sobre como pretendem dar conta da pior crise de saúde pública que assola o país: a epidemia de opioides, que matou 70 mil pessoas por overdose em 2017. E os planos até existem, segundo Lopez. Segundo ele, a proposta mais abrangente é a de Elizabeth Warren, que quer dedicar US$ 100 bilhões em dez anos para tratamentos da dependência, mas outros pré-candidatos têm boas alternativas também. Por que não falar sobre isso nos debates, então? O autor desconfia que seja por conta do estigma. Ele diz que, ao cobrir o tema, já se deparou com falas de trabalhadores no sentido de que a pior dificuldade para lidar com a crise nem é a falta de verbas, mas o fato de que “muitos políticos, e grande parte do público, simplesmente não queriam gastar dinheiro ajudando ‘essas pessoas'”. E já recebeu vários e-mails de leitores descrevendo mortes por overdose como casos de “sobrevivência do mais apto” e dizendo que dependentes deveriam “pagar o preço de suas escolhas criminosas e ações criminosas”. 

O PREÇO DOS PLANOS

A ANS publicou o Painel de Precificação dos Planos de Saúde, informando dados médios praticados em 2018.

Leia Também: