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Economia

Nova onda de protecionismo internacional ameaça US$ 50 bi em exportações brasileiras

Grande exportador de produtos agropecuários, Brasil é alvo de medidas que ameaçam perto de 20% de suas vendas externas
Grande produtor em agropecuária, o Brasil deve ser alvo de medidas protecionistas no exterior, o que põe em risco quase US$ 50 bilhões em exportações Foto: Fotoarena / Agência O Globo
Grande produtor em agropecuária, o Brasil deve ser alvo de medidas protecionistas no exterior, o que põe em risco quase US$ 50 bilhões em exportações Foto: Fotoarena / Agência O Globo

BRASÍLIA - A volta do protecionismo no mundo , que aumentou com a pandemia e tem no Brasil um forte alvo, dado o perfil do país de grande exportador de produtos agropecuários, é uma ameaça direta a quase US$ 50 bilhões em exportações. A cifra considera itens que, hoje, são mais suscetíveis a barreiras protecionistas, sanitárias e comerciais: carne bovina, soja, farelo de soja e café. E representa metade das vendas externas do agronegócio brasileiro.

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No ano passado, as exportações desses produtos somaram US$ 47,6 bilhões. Em 2021, com a alta dos preços das commodities no mercado internacional, a receita exportada deve ser bem maior. Considerando os dados de 2020, o volume de vendas externas ameaçado com medidas protecionistas corresponderia a quase 20% do total embarcado pelo Brasil para o exterior, que somou US$ 235,8 bilhões.

Para o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, grande parte das exportações do agronegócio está na linha de tiro, e os superávits gigantescos na balança comercial garantidos pelo setor podem acabar.

—Isso sem contar açúcar, carne suína e frango. O mundo está mais protecionista, e o Brasil tem que fazer o dever de casa — afirma Castro.

A China parou de comprar carne bovina in natura brasileira há três meses. Pecuaristas americanos, alarmados com a ida para os EUA de parte da carne que não foi para o mercado chinês, pressionam autoridades a suspenderem o ingresso do produto no país.

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Mas, hoje, o que mais tem preocupado o governo brasileiro é um projeto de lei apresentado pela União Europeia (UE) ao Parlamento do bloco que pune importadores de commodities extraídas de áreas desmatadas ilegalmente ou mesmo quando o desmatamento legal ocorrer após dezembro de 2020.

Ministro: ‘Miopia’ da UE

Em entrevista ao jornal britânico Financial Times ontem, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Carlos França, classificou o projeto de protecionista , disse que há uma espécie de “miopia” da UE e criticou o governo francês pelos subsídios a seus agricultores:

— O que eu não posso aceitar é que o meio ambiente seja usado sob a forma de protecionismo comercial. É ruim para os fluxos de consumo e comércio.

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A reportagem do FT pontua que a publicação da proposta da UE aconteceu pouco antes da divulgação de dados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que mostram que a destruição da Amazônia brasileira saltou para a maior alta em 15 anos , resultando em questionamentos sobre o compromisso do governo em proteger a floresta.

Na avaliação de integrantes do governo brasileiro, os europeus jogam pesado, sem justificativa legal para adotarem barreiras. Uma fonte afirmou que a medida é “uma clara medida protecionista, com o objetivo de exercer pressão sobre outros países. Tudo definido unilateralmente, em desrespeito aos processos negociadores e às normas e tratados internacionais”.

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O projeto da UE foi atacado tanto pelo governo brasileiro — a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, chamou a medida de protecionismo climático — como pelos produtores de soja, que o classificaram de afronta à soberania nacional.

Contra-ataque na OMC

Ao GLOBO, o embaixador da Alemanha em Brasília, Heiko Thoms, disse que a maior parte dos produtores agropecuários brasileiros age corretamente, mas pode se prejudicar por um pequeno grupo responsável pelo desmatamento ilegal. Ele acredita que o projeto passará no Parlamento europeu sem dificuldades, pois o texto reforça a política ambiental da UE.

— Os brasileiros deveriam se preparar, porque é uma questão muito séria. Essa direção da UE não vai mudar — afirmou o diplomata alemão, que sugeriu que Brasil e UE se unam na formação de “cadeias produtivas transparentes”

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O Brasil já tinha planos para se movimentar sobre o tema na 12ª Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC). O evento estava previsto para ocorrer em Genebra, na Suíça, entre 30 de novembro e 3 de dezembro, mas foi suspenso, devido ao agravamento da pandemia

A descoberta de dois casos atípicos de mal da vaca louca motivaram a parada nas importações de carne bovina brasileira pela China em setembro Foto: Bloomberg
A descoberta de dois casos atípicos de mal da vaca louca motivaram a parada nas importações de carne bovina brasileira pela China em setembro Foto: Bloomberg

A expectativa era que fosse negociada uma declaração sobre comércio e sustentabilidade. O Brasil vai defender que a OMC não aceite que questões ambientais sejam usadas para justificar barreiras comerciais.

— O Brasil entende que a OMC deve estimular respostas aos desafios do desenvolvimento sustentável. A OMC não pode ser fonte de protecionismo e medidas unilaterais e discriminatórias — disse o secretário de Comércio Exterior e Assuntos Econômicos do Itamaraty, Sarquis José Buainain Sarquis.

Bolsonaro é 'acidente de percurso'

A Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja) argumenta que a demanda por alimentos no mundo está crescendo e o Brasil é um dos grandes fornecedores, mesmo tendo uma legislação rigorosa, que é o Código Florestal.

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Para o secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, acabar com a destruição da maior floresta tropical do mundo deveria ser uma obsessão e um diferencial para o país. Para ele, o maior desafio é mostrar a diferença entre o atual governo e o país:

— Precisamos deixar claro que Bolsonaro é um acidente de percurso e que, ali na frente, o país será recolocado no rumo certo do debate ambiental.

Colheita de soja numa plantação no Paraná Foto: Guito Moreto / Agência O Globo
Colheita de soja numa plantação no Paraná Foto: Guito Moreto / Agência O Globo

Juliano Cortinhas, professor de relações internacionais da UnB, frisa que as negociações internacionais são pautadas em interesses nacionais.

— O Brasil está vulnerável, porque bate recordes de desmatamento.

Suco de laranja sob 'fogo amigo'

A ameaça às exportações de produtos brasileiros não vem só do exterior. Fabricantes de suco de laranja concentrado, que já pagam elevadas tarifas para entrar no mercado americano, enfrentam um problema doméstico que pode ser considerado “fogo amigo”.

Desde 2019, a Receita passou a cobrar 34% sobre os custos pagos para exportar o suco para os Estados Unidos: Imposto de Importação, frete e seguro. Para os representantes do setor, o governo criou um imposto de exportação.

Os empresários reclamam que a medida faz com que o suco brasileiro perca mercado para o México, que coloca o produto nos EUA com tarifa zero. O Brasil exportou US$ 1,484 bilhão na safra 2020/2021, diz o setor.

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Segundo o diretor-executivo da CitrusBR, Ibiapava Netto, apesar do custo elevado para os exportadores, não é possível deixar para trás os mercados conquistados. Ele diz que, pelo menos até o momento, a entidade que representa as indústrias de suco concentrado não foi notificada sobre suspensão de embarques do produto.

— Mas, a médio prazo, ou seja, dentro de alguns anos, as exportações poderão se tornar inviáveis. Enquanto isso, as exportações mexicanas de suco de laranja concentrado vão ganhando mercado nos EUA.

A regra está em vigor desde 2019, devido a uma interpretação tributária da área de fiscalização da Receita Federal, com base em um caso particular. Retroativa a 2014, a noma gerou uma dívida de cerca de R$ 2 bilhões das empresas junto ao Fisco.

Há uma negociação em curso entre a CitrusBR e a Receita Federal, que não se manifestou sobre o tema.