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Governo Bolsonaro quer repassar a Estados atribuições federais de licenciamento de obras

Medida retira da União e do Ibama a tarefa de liberar o licenciamento de portos, hidrovias, rodovias, ferrovias e usinas térmicas; gestores ambientais criticam e falam em tentativa de fragilizar as fiscalizações em ano eleitoral

Foto do author André Borges
Por André Borges
Atualização:

BRASÍLIA - A 11 meses do fim de seu mandato, o governo Bolsonaro prepara um decreto presidencial que prevê mudanças profundas no processo de licenciamento ambiental de obras de infraestrutura em todo o País, retirando diversas atribuições que hoje são da União e do Ibama, para repassar essas ações aos Estados.

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O Estadão teve acesso à minuta desse decreto, um texto que tem sido debatido pela cúpula do governo e que já recebeu colaborações dos ministérios da Economia, Meio Ambiente e Minas e Energia, além do próprio Ibama.

Uma das mudanças mais drásticas prevê que o licenciamento ambiental de portos e de hidrovias passe a ser feito por seus Estados e não mais pelo Ibama. Outras obras que deixariam de ser atribuição de licenciamento federal são os acessos rodoviários de estradas, travessias urbanas e contornos rodoviários, além de ramais ferroviários e qualquer outra estrutura relacionada às ferrovias, como a construção de terminais de carga.

Governo acredita que mudança deixaria o Ibama livre para se dedicar a empreendimentos de maior complexidade ambiental. Foto: Sérgio Moraes/Ascom/AGU

Na área de energia, usinas térmicas também passariam a ser atribuição de licenciamento estadual. O mesmo processo passaria a ser adotado em empreendimentos para exploração do chamado gás “não convencional”, envolvendo atividades de perfuração de poços, fraturamento hidráulico e sistemas de produção e escoamento.

Já nos casos de rodovias e ferrovias federais existentes, o texto estabelece ainda que novas obras relacionadas a essas estruturas teriam o licenciamento iniciado em Estados e municípios, mas que estes processos seriam incorporados pelo governo federal quando essas obras fossem concluídas. O decreto determina ainda um prazo limite de até 90 dias para os entes locais liberarem suas licenças de operação. Se o prazo for descumprido, caberia ao governo federal emitir a licença.

A reportagem questionou os ministérios envolvidos sobre as motivações de cada uma das mudanças propostas e em que fase de maturação está o decreto, assunto que já foi tema de diversas reuniões realizadas pela Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos do Ministério da Economia. Todos declaram que não vão se manifestar sobre o assunto, porque o texto final ainda não foi fechado e não há data marcada para sua publicação.

Nos bastidores, o governo defende a tese de que as mudanças permitiram que o Ibama e sua área de licenciamento ambiental, que costumava ser pressionada por um grande volume de obras, poderia se dedicar a empreendimentos de grande porte e de maior complexidade ambiental. A justificativa é de que todos os projetos repassados aos Estados e também a municípios são "intervenções isoladas” e que possuem “impacto localizado”.

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Esvaziamento

Na gestão ambiental, porém, o entendimento é de que se trata de mais uma medida do governo Bolsonaro para fragilizar as fiscalizações ambientais no País, esvaziando atividades que sempre foram realizadas pelo Ibama. A transferência de licenciamentos aos Estados poderia gerar ainda uma “disputa” regional por empreendimentos, com flexibilização de regras para atrair mais investimentos. O controle ambiental também poderia sair fragilizado, uma vez que projetos de infraestrutura poderiam ter tratamentos diferentes, conforme a região em que fossem realizados.

Em termos administrativos, o que o governo pretende é alterar o decreto atualmente em vigor, publicado em 2015 e que regulamenta a Lei Complementar 140/2011, a qual estabelece qual é o papel da União no licenciamento ambiental.

“Considero bastante questionável alterar o decreto atual no meio de um ano com eleições. Reduzir atribuições do Ibama nesse sentido significa delegar licenças importantes para a esfera estadual. Mesmo sem essas modificações, há áreas atualmente que, na minha opinião, deveriam ter o poder do Ibama reforçado, e não reduzido, a exemplo das licenças dos grandes empreendimentos minerários”, diz Suely Araújo, ex-presidente do órgão ambiental e especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima.

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Pelas informações obtidas até agora, diz Araújo, o governo Bolsonaro deixa claro seu plano de ampliar o repasse de projetos aos Estados. “Há necessidade de transparência nesse processo. Quem está demandando essas modificações? O que justifica essa proposta? Nada disso fica claro, o que preocupa bastante.”

Entenda o que o governo pretende mudar na área de licenciamento ambiental:

  • O governo quer publicar um decreto para repassar o licenciamento de diversos tipos de empreendimentos para Estados e municípios.
  • O texto já foi discutido por membros de diversos ministérios, mas ainda não tem uma versão final.
  • Pela proposta, obras de portos e hidrovias, além de projetos ligados a ferrovias e rodovias federais teriam seus licenciamentos encaminhados a cada Estado do País.
  • O governo defende a tese de que a medida permitiria que o Ibama se voltasse a empreendimentos mais estratégicos e que os Estados têm capacidade de executar o trabalho de forma independente.
  • Ambientalistas alertam que a fragmentação pode fragilizar ainda mais o Ibama, causar disputa local por empreendimentos e enfraquecer as regras de licenciamento.

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