Nova refinaria de ouro da Amazônia tem como sócio condenado por lavagem de dinheiro na Bélgica

O caminho do ouro

Nova refinaria de ouro da Amazônia tem como sócio condenado por lavagem de dinheiro na Bélgica


O Brasil terá em breve, no meio da Amazônia, a maior refinaria de ouro do país. Para o governo do Pará, é um passo estratégico para organizar a economia do estado, assolado pelo desmatamento e pela mineração ilegal. Os anúncios, no entanto, escondem quem está por trás da North Star Refinaria: Sylvain Goetz, integrante de uma família dona de um império de minérios preciosos.

A família Goetz enriqueceu por meio de uma empresa que leva o nome do seu patriarca, Tony Goetz, que faleceu em 2005. Em 2020, a justiça belga condenou Alain e Sylvain, filhos de Tony, por lavagem de dinheiro e fraude ao criar um mercado clandestino de ouro. Sylvain é investidor da nova refinaria do Pará, como mostram documentos da Junta Comercial do Pará obtidos pelo Intercept.

A direção da North Star afirma ter investido R$ 55 milhões no prédio de três andares localizado entre a baía do Guajará e a avenida Artur Bernardes, no bairro industrial do Tapanã, na capital paraense. É nesse local que cerca de 120 trabalhadores vão refinar o metal precioso que tem controle frágil no Brasil.

Considerando que o Brasil exporta anualmente mais ouro do que produz, é razoável supor que o ouro refinado no Pará deve ser comprado por multinacionais. Somente nos últimos dois anos, o produto dos Goetz foi parar em componentes eletrônicos da Tesla, Amazon, Dell, Johnson & Johnson e da HP, e até cafeteiras da Starbucks.

O sobrenome Goetz aparece no balanço patrimonial da North Star Refinaria, para qual Sylvain fez um adiantamento de R$ 683 mil em 2020. Em assembleia realizada em 12 de novembro do ano passado, Sylvain passou a ser acionista de 24,78% da refinaria, mostra o documento, percentual referente a um investimento de R$ 4,6 milhões que fez na empresa.

No balanço protocolado na Junta Comercial do Pará, além de Goetz, entraram como investidores duas empresas estrangeiras: a North Coast Commodity Advisory & Investment Company LLC, grupo sediado nas Bahamas, com 69,63% de ações; e a Maison Prime Holdings LTDA, de Dubai, com 14,06%. A Omex Comércio e Exportação de Metais Preciosos S.A, do ex-prefeito de Itaituba Roselito Soares da Silva, era a única investidora da refinaria até a mudança proposta em agosto. Os sócios de todas essas empresas mantêm ou mantiveram ligações com o belga.

Apesar dessas conexões, os comunicados do governo paraense sobre o negócio não mencionaram em momento algum o nome de Sylvain Goetz e outros investidores – e o governo não responde sobre isso nem mesmo após perguntas da imprensa.

É um mega empreendimento. A North Star vai refinar metade da produção nacional quando atingir sua capacidade total – 24 toneladas de ouro por ano no início, podendo chegar a 48 toneladas.

As obras estão em fase de finalização. O lucro estimado para o primeiro ano de atividade é de R$ 7,2 bilhões – um número brutal que levou em conta a quantidade de toneladas de ouro a serem refinadas no local.

Uma refinaria é o local em que o ouro passa por processos de purificação e fundição. Para uso em joias, o metal precisa ter entre 70% e 80% de pureza. Para se transformar em ativo financeiro, é necessário chegar a 99,99%. É assim que o ouro da família Goetz vai parar em relatórios de compras de empresas do mundo todo. Esse processo também dificulta o rastreamento da origem do minério: quando ainda está “sujo”, o ouro apresenta outros metais em sua composição, o que auxilia peritos judiciais a identificar a sua origem (se veio de um garimpo ilegal, por exemplo).

“Há o ouro que sai da grande mineradora e o ouro que sai do garimpo, eles têm um caminho diferente, mas a refinadora está nos dois mundos”, explica Larissa Rodrigues, gerente de portfólio do Instituto Escolhas, que colaborou na construção de um projeto de lei que pretende melhorar a fiscalização do ouro produzido no país.

A North Star deverá alimentar o polo joalheiro de Belém, diz o governo paraense. Mas, pelo volume de sua produção, tudo indica que o destino do minério é mesmo o mercado internacional, coração dos negócios dos Goetz.

Decisão menciona esquema para burlar regras e ocultar a origem do ouro.

O império dos Goetz começou em 1984, quando Tony, um rico comerciante de diamantes, criou a empresa. Sylvain, seu irmão mais novo, Alain Goetz, e Sandra Weyler, esposa de Alain, formavam o conselho de diretores da Tony Goetz NV até outubro de 2018, segundo as declarações financeiras anuais da empresa na Bélgica.

Na condenação de 2020, a justiça belga decidiu que a empresa é responsável pela movimentação de mais de um bilhão de euros (aproximadamente R$ 6,3 bilhões) com compras à vista de ouro em 2010 e 2011 que configurava crimes de fraude e lavagem de dinheiro. Seis meses após a condenação, a empresa mudou de nome para Industrial Refining Company, tendo apenas Sylvain Goetz como presidente e membro da diretoria.

De acordo com a decisão, eles criaram um esquema fraudulento para burlar as regras fiscais daquele país e ocultar a origem do ouro negociado. Os irmãos e a empresa tiveram 3,2 milhões de euros confiscados. Além disso, a sentença estabeleceu multas que somam 110 mil euros, 18 meses de prisão e cinco anos afastados de negócios com ouro no país. No entanto, essas últimas penas foram suspensas e só seriam aplicadas em caso de reincidência. Os irmãos e a empresa não recorreram da decisão, segundo o porta-voz do Tribunal de Justiça da Antuérpia.

O enrosco, no entanto, não parece ter atrapalhado os negócios. Em dezembro do ano passado, o jornal belga De Morgen publicou uma reportagem mostrando como a família Goetz continuou refinando ouro – mas, desta vez, por meio do filho de Sylvain, Sam Goetz, dono da refinaria Value Trading. A reportagem narra que as empresas de pai, tio e filho se confundem. A Tony Goetz NV passou a se chamar Industrial Refining Company, mas em seu número de telefone quem atende são funcionários da Value Trading. Ao De Morgen, Sam Goetz negou qualquer ligação da sua empresa com a do pai.

A situação da família Goetz pode se complicar ainda mais no próprio país. Após ser questionada por um deputado sobre possíveis sanções às empresas de Alain Goetz, em uma sessão do Congresso realizada em 28 de setembro do ano passado, a ministra das Relações Exteriores da Bélgica, Sophie Wilmès, disse que sua gestão entregou em fevereiro de 2019 uma denúncia formal contra Goetz à justiça belga. Também afirmou que o Ministério Público Federal do país abriu “diversos processos, ainda em andamento e cobertos por sigilo judicial”.

Os jornalistas Kristof Clerix (Knack), Jelter Meers (Pulitzer Center) e Andy Lehren (NBC News), e a organização sem fins lucrativos C4ADS, colaboraram com esta investigação.

A reportagem conta com o apoio da Rainforest Investigations Network, do Pulitzer Center. Saiba mais.

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Vista aérea da refinaria em janeiro de 2022. Apesar do investimento, Goetz afirma que nunca esteve no local.

Foto: Anderson Coelho para o Intercept Brasil

‘A lavanderia dourada’

A família Goetz também está na mira da Organização das Nações Unidas, a ONU. Segundo a ministra Wilmès, o Comitê de Sanções do Conselho de Segurança da organização está discutindo confidencialmente os negócios dos belgas na República Democrática do Congo. Entre 2014 e 2018, integrantes da família Goetz tiveram participação societária, de forma direta ou indireta, em uma refinaria em Uganda, a African Gold Refinery, conhecida como AGR.

A Tony Goetz NV foi a principal acionista da refinaria no primeiro ano de funcionamento, mas depois o negócio ficou relacionado apenas ao nome de Alain Goetz. É isso que mostra o relatório “A lavanderia dourada”, de 2018, da ONG investigativa The Sentry, que detalha ainda como Alain Goetz utilizava 15 empresas que ele administrava com o irmão Sylvain em países como Bélgica, Uganda, Luxemburgo e Emirados Árabes Unidos para ocultar a origem do ouro refinado na AGR.

Segundo a investigação, a maior parte do ouro vinha de garimpos ilegais localizados em áreas de conflito armado na República Democrática do Congo. Citando entrevistas com garimpeiros e comerciantes, o relatório conclui que os negócios da família Goetz financiaram grupos armados na RDC.

Em relatórios minerais expostos na Comissão de Valores dos EUA, a SEC, a Tony Goetz NV aparece como fornecedora de ouro para 283 grandes empresas.

A investigação do The Sentry apontou ainda que 103 empresas na bolsa americana declararam ter comprado ouro da refinaria AGR em 2017.

Os negócios dos Goetz em Uganda e na RDC e a cadeia de fornecimento que faz o ouro parar em grandes empresas dos EUA acenderam o alerta para três senadores norte-americanos. Em abril do ano passado, os democratas Cory Booker, Benjamin Cardin e Richard Durbin enviaram uma carta à secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, pedindo sanções contra a rede de refinarias relacionadas à Alain Goetz, apontada como “a mais influente no comércio de ouro de origem de conflito” — termo utilizado para informar sobre a possibilidade do minério ter sido extraído de forma ilegal ou comprado de grupos criminosos. A carta dos senadores cita ainda que os Goetz teriam lavado 300 milhões de dólares da Venezuela em ouro.

Dois meses depois, o Departamento do Tesouro dos EUA respondeu em carta endereçada aos três senadores que “não poderia comentar investigações possíveis ou pendentes”, mas afirmou que está “analisando os relatórios de grupos de especialistas da Organização das Nações Unidas e do The Sentry”.

Uma reportagem do jornal Miami Herald, publicada em 2019, utiliza dados obtidos pelo grupo investigativo venezuelano Runrun.es, que, após analisar dados de exportações da Venezuela, apontou que 21 toneladas de ouro daquele país foram compradas pela empresa Goetz Gold LLC, com sede em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, que tem Alain Goetz como sócio. Segundo a investigação, a venda de ouro para refino em outros países seria uma forma do governo de Nicolás Maduro de driblar sanções impostas para a entrada em solo norte-americano do metal extraído na Venezuela.

Há um ano, o máximo que o governo paraense informou sobre os investidores é que a refinaria tem “capital belga”. Em julho do ano passado, tentei em duas oportunidades, ambas por e-mail, saber do governo Helder Barbalho quem eram os investidores belgas. Não tive resposta.

Em novembro, o jornalista belga Kristof Clerix, da revista semanal Knack, colaborador desta reportagem, também enviou questionamentos por e-mail ao governo do Pará sobre o misterioso “capital belga”. Silêncio mais uma vez.

Nova refinaria de ouro da Amazônia tem como sócio condenado por lavagem de dinheiro na Bélgica

Sylvain, filho de Tony Goetz: herdeiro de uma das famílias mais ricas da Bélgica.

Foto: Divulgação/De Rijkste Belgen

A teia de investidores

À primeira vista, Sylvain Goetz e seus 24,07% da North Star sugerem que ele é um sócio minoritário, mas a relação do belga com os outros acionistas indica uma influência bem maior do que esse número. Os representantes das duas empresas estrangeiras que somam quase 75% das ações da North Star são ex-funcionários ou ex-representantes de empresas da família Goetz. 

Serge Keyser, representante da Maison Prime, de Dubai, um luxuoso paraíso fiscal, diz em seu currículo em uma rede social que trabalhou na refinaria AGR, da família Goetz, entre 2014 e 2017. A empresa detém 14,06% da refinaria paraense.

Já a North Coast, empresa baseada nas Bahamas, outro paraíso fiscal e maior acionista da refinaria de Belém, é representada pelo empresário surinamês Conrad Issa. Em 2018, quando um projeto similar de construção de refinaria foi apresentado pelo então governador do Pará Simão Jatene, Issa chegou a dar entrevista como representante da Tony Goetz NV.

Comerciante do setor têxtil em Paramaribo, capital do Suriname, e também presidente da Federação Surinamesa de Basquete, Issa atua no mercado de exportação de ouro há mais de 10 anos no país vizinho. Sua empresa, Amazone Gold NV, divide com uma empresa estatal os únicos registros de exportação de ouro no Suriname.

A última investidora da refinaria paraense é a Omex Comércio e Exportação de Metais Preciosos SA. A empresa, que tem como sócios Roselito Soares da Silva, ex-prefeito de Itaituba, e o presidente da North Star, Mauricio Gaioti da Silva, era investidora única da refinaria no seu anúncio – mas, com a entrada dos novos sócios estrangeiros, passou a ter apenas 0,54% das ações.

Há, no entanto, um detalhe nos documentos que indica que a fatia do ex-prefeito pode ser maior. Em maio de 2019, Roselito Soares registrou no Brasil uma empresa com o mesmo nome da Maison Prime, mas de CNPJ diferente do que aparece no balanço patrimonial da North Star. Além do nome, as duas empresas compartilham o mesmo endereço comercial em um prédio chique em Dubai.

Roselito foi prefeito de Itaituba de 2004 a 2010, quando teve o mandato cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Pará por compra de votos com distribuição de cestas básicas na eleição de 2008. Ainda em 2010, ele tentou pleitear uma vaga de deputado estadual, mas teve a candidatura impugnada por causa da Lei da Ficha Limpa.

O histórico empresarial de Roselito Soares também não é dos melhores. Em 2017, a Distribuidora de Valores Mobiliários Ourominas, a DVTM Ourominas, grupo ligado a mais de 10 empresas da qual é um dos sócios, teve o diretor, Juarez de Oliveira e Silva Filho, irmão de Roselito, e funcionários presos pela Polícia Federal sob a acusação de fraude em documentos para compra de ouro ilegal. Dois anos depois, Silva Filho foi denunciado pelo MPF por crime de submeter 11 trabalhadores de um garimpo no Amapá a situação análoga à de escravo. Os dois processos ainda estão tramitando na Justiça Federal do Amapá. Nos autos, o empresário negou os crimes.

A empresa também teve R$ 72 milhões bloqueados pela Justiça Federal após uma acusação de compra de ouro ilegal em Santarém. No ano passado, a DTVM foi apontada em estudo da Universidade Federal de Minas Gerais como uma das três principais instituições financeiras do país que despejam ouro ilegal no mercado de ouro nacional. De acordo com a pesquisa, as empresas compraram 4,3 toneladas de ouro ilegal nos municípios paraenses de Itaituba, Novo Progresso e Jacareacanga entre 2019 e 2020.

A Ourominas sozinha foi responsável pela compra de mais de uma tonelada de ouro ilegal no sudoeste do Pará. Isso serviu de base para uma ação civil pública do Ministério Público Federal contra a empresa, apresentada em agosto do ano passado, pedindo a suspensão das suas atividades e multa de R$ 1,3 bilhão para compensação ambiental.

Apesar do histórico, Roselito Soares está envolvido com o projeto da nova refinaria paraense desde o princípio – sempre ligado aos belgas. Em 2018, na primeira versão do projeto, o ex-prefeito se apresentava como representante da Omex e sócio da Tony Goetz NV. O empreendimento não vingou na época, mas voltou à carga com os mesmos atores três anos depois. Desta vez, porém, havia uma diferença: os nomes de Roselito Soares e da família Goetz não estariam na linha de frente.

Em fevereiro do ano passado, Helder Barbalho deu um bom empurrão no novo investimento de Sylvain Goetz ao assinar um acordo com cinco mineradoras para que elas forneçam ouro para ser refinado na North Star. Os termos do acerto foram publicados na edição do Diário Oficial no dia 26 de março de 2021. No novo anúncio, quem apareceu como presidente da North Star foi Mauricio Gaioti da Silva, um ex-funcionário da DVTM Ourominas. Dono de uma loja de compra e venda de ouro em Miami, Gaioti já apareceu em lives com dicas sobre como investir no minério. Curiosamente, nos documentos informados à Receita Federal, Gaioti tem apenas uma sócia na refinaria, a filha de Roselito: Andressa Pimenta Soares da Silva Julião.

Questionamos o governo paraense sobre o apoio à North Star e o passado dos seus investidores. Sobre esses assuntos, o governo se manteve em silêncio mais uma vez. Em nota, a assessoria de imprensa se limitou a declarar que a “segurança ambiental” da operação da refinaria “está em análise”. O comunicado ainda faz uma defesa do empreendimento: “a solicitação da empresa em questão verticaliza a cadeia produtiva no território paraense”.

Helder Barbalho, Governador do Estado do Pará.

Helder Barbalho, governador do Pará, abriu o caminho para a operação da North Star.

Foto: Marcos Corrêa/PR

Incentivo do governo

O estado do Pará é o campeão de ouro irregular no país, com uma produção de 17,7 toneladas no período analisado, entre 2019 e 2020. A seguir, vem o Mato Grosso, com 14,4 toneladas. O estudo da UFMG mostra que o volume de ouro de origem falsa no Pará representa 58,4% de toda produção do estado no período.

Segundo os pesquisadores, esse ouro extraído teve como indicação de origem áreas que continuam com floresta intacta. O cenário não impediu o governo paraense, no entanto, de incentivar a ação de mineradoras com histórico controverso.

No acordo com o governo paraense, a North Star se comprometeu a obter licenciamento ambiental na Secretaria de Meio Ambiente do Estado, a Semas, em até 18 meses. No entanto, o único processo de licenciamento protocolado pela empresa no governo estadual foi feito apenas em 7 de janeiro para uso de água de um poço artesiano para o prédio da refinaria, e ainda está sob análise.

Em outubro de 2020, ainda na gestão do prefeito Zenaldo Coutinho, do PSDB, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Belém, a Semma, concedeu licenças ambientais para a instalação e a operação da North Star. Questionamos a Semma se o órgão ambiental sabia do histórico dos investidores e se isso poderia interferir no processo de licenciamento da empresa. Até a publicação desta reportagem, não recebemos resposta da atual gestão do prefeito Edmilson Rodrigues, do PSOL.

O documento explica que o protocolo de intenções precisa ser referendado por um acordo final em até seis meses para ter validade. Em agosto, uma comitiva do governo visitou as obras e selou o trato. O protocolo de fornecimento de ouro para a refinaria foi assinado com as empresas Serabi Mineração S/A, Brazauro Recursos Minerais S/A (que posteriormente vendeu sua operação para a canadense G Mining Ventures), BRI Mineração LTDA., Gana Gold Mineração S/A e Belo Sun Mineração LTDA.

A Gana Gold recebeu mais de R$ 15 milhões em multas e teve a sua atividade embargada pelo Ibama e pelo ICMBio em setembro do ano passado, quando o Intercept publicou uma reportagem denunciando que a empresa já tinha extraído mais de R$ 1 bilhão de ouro de uma unidade de conservação federal sem ter licença ambiental. No mês seguinte, a empresa conseguiu suspender os dois embargos na Justiça Federal.

Em 2020, a Omex Comércio e Exportação, investidora da refinaria da North Star e que tem Roselito Soares e Mauricio Gaioti como sócios, comprou R$ 183 milhões em ouro da Gana Gold.

A mineradora canadense Belo Sun, outra signatária do acordo com a North Star, também tem histórico de possíveis violações. Os canadenses querem retirar ouro de uma região entre Altamira e Senador José Porfírio – local habitado por agricultores e ribeirinhos, que são ameaçados de expulsão pela empresa há quase uma década. Em dezembro, o jornal O Estado de S. Paulo revelou que a Belo Sun chegou a comprar ilegalmente 21 terras destinadas a agricultores para reforma agrária.

Para Larissa Rodrigues, o histórico de extração do minério no Pará indica que não são apenas essas grandes empresas que devem refinar ouro na North Star: o garimpo ilegal também pode se beneficiar da nova obra. “O Pará é o estado que tem a maior produção garimpeira do país, mais de 80% do ouro paraense vem de garimpo. Então, em tese, faz todo sentido estarem querendo colocar uma grande refinadora lá. Isso é para ouro de garimpo. Essas grandes empresas, como Serabi e Belo Sun, vão poder se beneficiar, sim, mas não tenho dúvidas que o grosso vai ser para ouro de garimpo”, afirma a gerente do Instituto Escolhas.

Os garimpos no Pará também afetam a saúde das comunidades indígenas, com a contaminação de mercúrio nas águas dos rios e peixes. Após analisar amostras de sangue de 200 integrantes do povo Munduruku, que vive no sudoeste do Pará, um estudo da Fundação Oswaldo Cruz, em parceria com a ONG WWF Brasil, mostrou que quase 60% dessas pessoas apresentaram nível do metal acima do permitido. A contaminação por mercúrio, usado para separar o ouro da lama nos garimpos, está relacionada a uma série de problemas de saúde, incluindo doenças neurológicas.

‘Goetz nunca encontrou com o governador, que é um completo estranho para ele’, diz seu advogado.

Para o Ministério Público Federal, a origem verdadeira do ouro pode estar ligada à mineração em terras indígenas da região. “Os garimpos ilegais nas Terras Indígenas Munduruku e Sai Cinza, no município de Jacareacanga/PA, são responsáveis pela violação massiva, generalizada e sistemática aos direitos mais fundamentais do povo indígena Munduruku, como o direito à vida, à integridade física e cultural, à terra e ao usufruto exclusivo dos recursos naturais. Nos últimos dois anos, o cenário adquiriu contornos ainda mais trágicos, com a expansão desenfreada dos garimpos e com a invasão do território pelo crime organizado paramilitar”, afirmam os procuradores nas ações civis públicas apresentadas em 2021.

Foi nesse cenário que Sylvain Goetz resolveu fincar raízes. Ao Intercept, o advogado de Goetz, Bert Luyten, afirmou por e-mail que seu cliente “fez um investimento pessoal” na refinaria, e é meramente um acionista financeiro e não-operacional. “Ele nunca visitou os trabalhos de construção e nunca encontrou com o governador, que é um completo estranho para ele”.

Ele questionou ainda a investigação do The Sentry, que afirma não ter base “legal e factual”. Segundo seu advogado, a condenação na justiça belga se refere a fatos ocorridos em 2010 e 2011 e, desde então, a empresa parou de efetuar pagamentos em dinheiro. Desde então, diz o advogado, “a Tony Goetz NV não foi indiciada” por nenhum crime e foi “auditada regularmente por autoridades belgas”.

Luyten afirma ainda que a empresa encerrou suas atividades em 2020 e não está mais ativa na área de compra e importação de metais preciosos. No entanto, as demonstrações financeiras de 2021 da Tony Goetz NV mostram que ela mudou de nome para Industrial Refining Company em julho de 2020, e que atualmente Sylvain Goetz é o único integrante da diretoria, com mandato até 21 de junho de 2024.

Além de responder a algumas perguntas que enviamos a Sylvain Goetz, Luyten tentou intimidar o Intercept insinuando que apresentaria ações judiciais caso seu cliente fosse citado. O jornal De Morgen e a The Sentry foram alvo de medidas judiciais da família Goetz após publicarem investigações sobre os negócios da família belga.

O advogado indicou Maurício Gaioti para responder questões referentes à empresa brasileira. Por e-mail, Mauricio Gaioti nos respondeu que a North Star escolheu Belém para construir a refinaria “por uma questão logística”. O grupo, segundo o gestor, tem o ambicioso plano de ser uma referência mundial no setor e pretende abrir o capital para investidores externos. Ele afirma ainda que “a North Star não faz compra de ouro, ela é uma prestadora de serviço de refino”.

Sobre os investidores, Gaioti falou apenas que Sylvain Goetz “é um acionista financeiro e não operacional”. Ele escreveu o mesmo sobre Roselito Soares da Silva. No entanto, a ata de criação da empresa, de 26 de junho de 2018, informa que o ex-prefeito de Itaituba integrou a primeira mesa da reunião e foi eleito conselheiro secretário do conselho gestor da empresa, cargo que só deixou de ocupar em 21 de março de 2021.

Gaioti também respondeu que a sua revendedora de ouro em Miami, a Original Precious Trading, não tem ligação com a refinaria e que a empresa está com “suas operações inativas há mais de dois anos”. Serge Keyser disse por telefone que não vai comentar.

A Dell classifica a Industrial Refining Company como um refinador de alto risco.

Conrad Issa respondeu por e-mail que é apenas um investidor privado da North Star. Ele afirma que nunca atuou como representante da Tony Goetz NV. Sobre os textos publicados em 2018 pelo governo do Pará e veículos de imprensa o citando como representante do grupo belga, Issa disse que “claramente isso foi um erro de tradução”.

O empresário surinamês também respondeu que esteve na reunião com o então governador Simão Jatene como representante do que agora é a North Star. Essa reunião foi feita em 5 de fevereiro de 2018, e a North Star só seria criada em outubro daquele ano. O acordo com o tucano Jatene foi publicado no Diário Oficial uma semana depois da reunião e menciona a empresa Omex, denominada de “Tony Goetz/Omex” no documento, como signatária, sendo representada por Roselito Soares da Silva. Conrad Issa não é citado no Diário Oficial, e também não há qualquer menção à North Star.

Por meio de sua assessoria de imprensa, a mineradora Belo Sun informou que não vai se manifestar. As mineradoras Serabi, BRI, Gana Gold e Brazauro não deram retorno.

A Ourominas DTVM afirma em nota que Roselito Soares não tem vínculo de representação ou participação societária na empresa. No entanto, em diversos momentos ele deu entrevista como diretor da Ourominas. Em uma empresa que ele possui sociedade com o irmão, a Leilito Participações Ltda, o telefone registrado na Receita Federal é o mesmo da DTVM. Sobre as investigações da PF e do MPF a que a Ourominas é alvo, a nota comunica “que toda sua atividade é pautada rigorosamente de acordo com a lei”.

Também procuramos as empresas que compram ouro das refinarias ligadas a Goetz. Amazon e Starbucks responderam que não vão se manifestar sobre a empresa belga. Tesla, Johnson & Johnson e HP não deram retorno sobre os questionamentos que enviamos para as suas assessorias de imprensa.

Em nota, a Dell informou que “classifica a Industrial Refining Company (antes denominada Tony Goetz NV) como um refinador de alto risco”. Por isso, a empresa afirma ter comunicado seus fornecedores internos a “fazer a transição desse refinador na cadeia de suprimentos”. O posicionamento da empresa não especifica se todos os seus fornecedores já pararam de comprar ouro da Industrial Refining Company.

Ainda segundo a nota, a Dell está “comprometida com o fornecimento responsável de minerais” e toma medidas como encerramento de negociações apenas quando há casos concretos de má conduta. “Qualquer fornecedor com relatos de má conduta é investigado e, se for encontrada má conduta e o fornecedor não quiser ou não puder tomar as medidas corretivas apropriadas, ele poderá ser removido de nossa cadeia de suprimentos”, informa a empresa.

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