Temperatura anormal em 2022 comparada com o período base de 1951-1980. Credito: @ScottDuncanWX/twitter

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Reino Unido registra inéditos 40°C

Desde a última semana, Europa enfrenta onda de calor extremo que vem sendo classificada como uma das mais devastadoras dos últimos 200 anos

19.07.2022 - Atualizado 11.03.2024 às 08:30 |

DO OC – Europeus, americanos e asiáticos estão sentindo o gosto amargo do que é viver em um planeta sob efeito da crise climática. “Insano”, descreveu um inglês após o Reino Unido registrar, nesta terça-feira (19), o recorde de temperatura mais alta de sua história. Os termômetros nos arredores do aeroporto de Heathrow, em Londres, marcaram 40,2°C, superando provisoriamente o recorde anterior de 38,7ºC, de 2019. É como um “apocalipse de calor”, disse um meteorologista à Agência France-Presse na última semana, enquanto a Europa começava a ser assolada por uma onda de calor que vem sendo classificada como uma das mais devastadoras dos últimos 200 anos. “Insuportável”, descreveu ao site Climate Change News um jornalista que vivenciava in loco o março mais quente da Índia em 122 anos.

Somente nos últimos dez dias, França, Portugal e Espanha já contabilizaram mais de mil mortes relacionadas às temperaturas recordes – que ultrapassaram os 46°C em algumas regiões – enquanto incêndios florestais devastadores obrigam milhares de pessoas a abandonarem suas casas emergencialmente. Conforme a onda de calor se desloca para o leste e norte do continente, outras regiões começam a ser afetadas. No início desta semana, povoados da Grécia foram evacuados pelo risco de incêndios, e o Reino Unido está sob alerta vermelho de emergência nacional. Em Londres, o prefeito alertou os moradores pelo Twitter a não fazerem churrasco ao ar livre nem largarem cacos de vidro na grama para evitarem incêndios. Tudo isso ocorre poucas semanas depois de o leste australiano ser atingido por tempestades torrenciais que provocaram evacuações em massa, uma chuva de monção mais intensa que o normal causar alagamentos e mortes em Bangladesh, dezenas de cidades americanas baterem recordes de calor antes mesmo do início oficial do verão nos Estados Unidos e cidades brasileiras enfrentarem enchentes históricas.

Já é consenso na comunidade científica que o aumento de intensidade e frequência desses eventos extremos, sejam eles ondas de calor, ciclones, secas ou tempestades, é consequência direta do aquecimento global. O que um grupo de cientistas tem feito recentemente é quantificar a influência da crise climática nesses acontecimentos. A iniciativa World Weather Attribution (WWA), uma colaboração de pesquisadores de todo o mundo, faz análises de eventos extremos logo após eles ocorrerem para descobrir a probabilidade ou a intensidade de que aconteçam hoje, em que o planeta está 1,1°C mais quente do que nos níveis pré-industriais, em comparação com um mundo sem a influência do aquecimento global. Em um estudo recentemente publicado na revista Environmental Research, em que analisaram dezenas de eventos extremos ao longo da última década, concluíram que ondas de calor estão se tornando até dez vezes mais prováveis por causa das mudanças climáticas em algumas regiões do planeta. Mariam Zachariah, pesquisadora do Environment of Imperial College, na Inglaterra, é uma das autoras das publicações do WWA. Zachariah conversou com o Observatório do Clima sobre a recente onda de calor na Europa e o que esperar para o futuro próximo.

Qual é a sua análise sobre a onda de calor extremo que a Europa está enfrentando agora? 

Desde a última década, houve um aumento nas ocorrências de temperaturas quentes e ondas de calor tanto globalmente quanto na Europa, com temperaturas batendo recordes em diferentes locais a cada ano. Embora historicamente tenha ocorrido verões quentes, as magnitudes muito altas das temperaturas, que ultrapassam os 40°C em diferentes lugares, são mais recentes. Isso é resultado das mudanças climáticas, que estão aumentando as temperaturas médias globais, bem como os extremos quentes. Estudos de atribuição anteriores que analisam altas temperaturas na Europa, como a onda de calor de 2019 na França e temperaturas beirando os 40°C no Reino Unido, mostram que as mudanças climáticas aumentaram a probabilidade de temperaturas extremas em comparação com um mundo sem o aquecimento global.

De que forma a ciência está provando essa relação?

À medida que o mundo aquece, o clima das diferentes regiões no planeta também muda para regimes mais quentes. Consequentemente os dias quentes tornam-se mais frequentes e as temperaturas que seriam incomuns e extremas no passado tornam-se mais comuns, resultando em maiores períodos quentes, mais ondas de calor e menos tempo com temperaturas amenas. Além disso, uma atmosfera mais quente retém mais umidade, portanto, as chuvas em todo o mundo se tornam mais intensas. Este princípio também vale para ciclones tropicais, onde as chuvas associadas ao ciclone se tornam mais intensas. As temperaturas mais quentes da superfície do mar devido às mudanças climáticas são importantes impulsionadores dos ciclones tropicais, enquanto o aumento do nível do mar devido às mudanças climáticas eleva o potencial de perdas e danos devido a tempestades e inundações durante os ciclones. As secas, por outro lado, são mais complexas devido a outros fatores, como alterações na umidade do solo, baixos níveis dos reservatórios e de demanda hídrica, além da baixa pluviosidade. Em partes da Ásia, no Mediterrâneo e em partes da África, América do Sul e Austrália, as secas estão se tornando mais comuns, em uma tendência consistente com as mudanças climáticas.

Espanha e Portugal – países desenvolvidos – contabilizaram mais de mil de mortes relacionadas à recente onda de calor. O que podemos esperar para os países em desenvolvimento, já que o aquecimento global atinge essas nações de forma mais extrema?

O aquecimento global e seu papel na exacerbação das ondas de calor não se restringem apenas a algumas partes do mundo. No entanto, os impactos serão sentidos mais pelos países com maiores proporções da população vulnerável a esses perigos. Portanto, tendo em vista o aumento das chances de eventos de ondas de calor no futuro, precisamos fortalecer a ligação entre alerta e resposta aos sistemas de alerta precoce e implementar medidas adaptativas para lidar com extremos no curto prazo, ao mesmo tempo em que devemos trabalhar para mitigar as alterações climáticas a longo prazo.

Em um mundo 1,1°C mais quente, já estamos vivenciando uma sequência de desastres naturais, como ondas de calor mortais, enchentes e ciclones. O último relatório do IPCC diz que a Terra atingirá 1,5℃ em cerca de uma década. O que podemos esperar para o futuro próximo?

Podemos esperar que eventos climáticos extremos se tornem muito comuns, a menos que haja um esforço consolidado para interromper as emissões de gases de efeito estufa com foco na mitigação das mudanças climáticas. Caso contrário, temperaturas extremas tendem a se tornar o novo normal.

 Ainda há tempo para se adaptar a essas mudanças?

Sim. Não é tarde demais para se adaptar às mudanças climáticas, desde que governos, setor privado e civis se unam. Com base em avaliações abrangentes, já temos estratégias implementadas. O que precisamos focar agora é em ações concretas e sustentadas.

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