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    Foto: Divulgação

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Um jornalista vê longe

Livro reúne os textos sobre ambientalismo de Marcos Sá Corrêa

19 jul 2022_11h29
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Há dezoito anos, o jornalista Marcos Sá Corrêa participou de uma empreitada rara no país: criar um site dedicado exclusivamente ao jornalismo ambiental. Era um ramo da imprensa que, no Brasil, ainda carecia de uma cobertura aprofundada e regular, independente e crítica. Junto com o jornalista Manoel Francisco Brito, o cientista político Sérgio Abranches e outros, Sá Corrêa lançou ((o)) eco, site que está em atividade até hoje.

Em homenagem ao seu fundador, ((o)) eco lança hoje o e-book Olhar Perto, Enxergar Longe: Crônicas Ambientais Atemporais, com 98 textos escritos por Sá Corrêa entre 2004 e 2011. O livro de 275 páginas foi organizado por Lorenzo Aldé, um dos primeiros editores do site, e está disponível para download gratuito.

As reportagens e crônicas de Sá Corrêa demonstram como ele colocou todo seu talento de jornalista e crítico a serviço da questão ambiental, mas tratada “numa abordagem cotidiana, e não catastrófica ou acidental”, pois “quando tem acidente, cria-se a impressão de que no resto do tempo tudo está bem”, como ele disse ao engenheiro florestal Miguel Milano, que assina o prefácio do livro.

Sá Corrêa, carioca de 75 anos, é também um dos jornalistas que participaram da criação da piauí, em 2006, na qual atuou como editor e repórter até 2011. Antes, trabalhou na Veja, no Jornal do Brasil e em O Dia, entre outras publicações. É autor de vários livros, como 1964, Visto e Comentado pela Casa Branca (1977), O Burocrossauro (1983) e Água mole em pedra dura – dez histórias da luta pelo meio ambiente (2006).

Leia a seguir uma das crônicas publicadas no e-book.


CADÊ O PATRIARCA DO AMBIENTALISMO BRASILEIRO?

José Bonifácio, um homem à frente do século XIX – e no Brasil, à frente até hoje

MARCOS SÁ CORRÊA

Sete de Setembro, nesta coluna, é o Dia do Patriarca. Ele não figura nos palanques oficiais. E ultimamente o clima no Brasil não é mesmo de festa cívica. Mas não custa lembrar que este país já teve pelo menos um político do tamanho de José Bonifácio de Andrada e Silva. Com ele, a conservação da natureza passou muito perto das orelhas dos dois imperadores, na fundação do Estado nacional. E não pegou. Deve ser por isso, em respeito à tradição, que as autoridades não falam mais nele.

José Bonifácio já foi retratado como pioneiro de nosso fracasso ambiental pelo historiador José Augusto Pádua. E, há 28 anos, teve sua Memória sobre a Pesca das Baleias e Extração do seu Azeite, com Algumas Reflexões a Respeito de Nossas Pescarias relançada numa edição que nem chegou às livrarias. É o texto de 1790 onde ele critica a fórmula de extermínio vigente das armações brasileiras, com a “prática perniciosa de matarem os baleotes de mama para assim arpoarem as mães com mais facilidade”. Atribuiu-lhes “tanto amor aos seus filhinhos” que, para não largá-los, elas entregam “igualmente a vida na ponta dos farpões”. Reconheceu que, pelos resultados, o método parecia “excelente”. Mas, “olhado de perto”, ao trocar duas gerações por uma presa, acabaria levando esse comércio “à ruína total”.

Inédito, portanto, o naturalista José Bonifácio não é. Mas os compêndios escolares afogaram sua biografia na ressaca da Independência, como se ele tivesse nascido aos 55 anos, aflorando de repente na junta de governo que arrebanhava deputados em São Paulo para discutir em Lisboa a transição do absolutismo português para a monarquia constitucional. José Bonifácio, na ocasião, acabava de voltar ao Brasil, depois de passar a maior parte da vida adulta na Europa.

Ele saíra de Santos, aos 20 anos, para estudar numa Coimbra que o governo de Pombal tinha virado pelo avesso, convertendo o decrépito centro de gargarejo escolástico numa universidade com laboratório, arboreto e salas de dissecação, onde se aprendia química, física, medicina e botânica. Na Escola Real de Minas, Geologia, Agricultura e Ciências Florestais, José Bonifácio pegou carona na reforma educacional de Domenico Vandelli, trazido da universidade de Pádua para ensinar que o atalho mais curto para o sucesso econômico não era queimar recursos naturais a torto e direito. Vandelli foi um autêntico animador cultural que, sem cruzar o Atlântico, desancava os estragos da colonização portuguesa no Brasil. Disse que ela avançava a ferro e fogo pelo território “despovoado e inculto”, destruindo “antiquíssimos bosques” e, com eles, árvores “desconhecidas dos botânicos”, presumivelmente “de muita utilidade”.

José Bonifácio virou seu apóstolo. Trouxe para o Brasil três décadas depois um currículo suntuoso, que se materializou em Portugal como reflorestamentos que ficaram de pé. Frequentou os maiores centros de pesquisa numa Europa em plena ebulição científica. Pela intimidade com as ciências naturais, tinha mais lastro acadêmico que o advogado, fazendeiro, arquiteto, violinista e horticultor Thomas Jefferson, que assumira a Presidência dos Estados Unidos na virada do século XIX. No ocaso político, de sua casa na Ilha de Paquetá, mais ou menos degredado nos cafundós da Baía de Guanabara, ele ainda trocava cartas com Alexander von Humboldt, tentando convencê-lo a incluir o Brasil no programa de exploração que redescobriu a América. No resto do mundo, ele estava à frente de seu tempo. Aqui, talvez esteja até hoje.

Tinha planos para todos os gostos. Abolir a escravidão logo na Independência, para livrar as florestas do machado que os braços escravos empurravam sem parar pela mata adentro. “Se os senhores de engenho não tivessem uma multidão demasiada de escravos”, argumentava, “eles mesmos aproveitariam terras já abertas e livres de matos, que hoje jazem abandonadas como maninhas.” Quis revogar em 1823 as doações de terras por sesmarias, que estimulavam a agricultura predatória. Previu muita coisa. Por exemplo, que os desvios artificiais levariam os rios de São Paulo a inundar a cidade. Errou outras, como declarar “guerra contínua às formigas” e sugerir a introdução de camelos no semiárido nordestino ou de lhamas no planalto gaúcho. O país enterrou tudo junto, no panteão das oportunidades perdidas.


 

O link para download do livro é: https://oeco.org.br/biblioteca/olhar-perto-enxergar-longe-cronicas-ambientais-atemporais/

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