Menções veladas a espantalhos como "indústria da multa" e infanticídio indígena permanecem no programa para um segundo mandato

Pela natureza de seu trabalho de combate à desinformação com base em fatos, Fakebook.eco não faz juízos de valor. Mas abrimos uma exceção em tempos de exceção: o plano de governo apresentado na última quarta-feira (10) pelo presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição, não comporta outro qualificativo: são 48 páginas de puro delírio.

O documento vai além de desfilar inverdades verificáveis; ele cria uma realidade paralela na qual os governos petistas aumentaram o número de pobres no Brasil (página 3) e o Ministério da Saúde do general Pazuello, que escondeu dados da Covid e fez os jornais criarem um consórcio para reportá-los, é um case de sucesso de transparência (página 43).

Perto desse tipo de afirmação, dizer que o governo tem agido “com contundência” contra o desmatamento (página 38) ou que defende “ações de redução e mitigação de gases de efeito estufa” (página 39) são mentiras veniais. No entanto, tomadas em seu conjunto, as promessas (ameaças?) do presidente para a agenda ambiental num eventual segundo mandato se chocam com a realidade daquilo que seu governo entregou, que foi um desmonte sem precedentes da governança socioambiental.

Dois pontos, porém, mostram sinceridade: Bolsonaro segue firme na intenção de desmontar o monitoramento por satélite da Amazônia feito pelo Inpe (o programa fala de forma cifrada em desenvolver “metodologias que consolidem as bases de dados no sentido de balizar as políticas públicas contra queimadas”) e de livrar infratores ambientais do Ibama (sob o eufemismo de “tratamento justo”).

Abaixo, listamos 17 pontos delirantes do programa de Bolsonaro que se relacionam com a área socioambiental.


Plano de governo: 

1 – “O governo federal tem atuado fortemente e com contundência contra os crimes ambientais e demais crimes associados.” (página 38)

Brasil real:

O desmatamento aumentou por três anos consecutivos e, em 2021, atingiu 13.038 km2, a maior taxa em 15 anos. Jair Bolsonaro é o primeiro presidente desde a redemocratização a ter três altas seguidas na destruição da Amazônia em um mandato. A taxa de desmatamento aumentou 52% em relação aos três anos anteriores à atual gestão: média de 11.339 km2 de 2019 a 2021, ante média de 7.458 km2 de 2016 a 2018. A taxa oficial de 2022 será divulgada no fim do ano, mas dados preliminares, do sistema Deter, indicam que ela dificilmente será menor que 10.000 km2.

O número de autos de infração aplicados pelo Ibama nos primeiros semestres de 2019 a 2022 caiu 36% no país e 51% na Amazônia em relação ao mesmo período (janeiro a junho) dos quatro anos anteriores (2015 a 2018). Os dados são do próprio Ibama. A média mensal de janeiro a junho no período de 2015 a 2018 (governos Dilma e Temer) foi de 7.749 autos no país, ante média de 4.963 de janeiro a junho de 2019-2022 (governo Bolsonaro). Já a média de autos relacionados à flora nos 9 estados da Amazônia Legal caiu de 2.348 de janeiro a junho de 2015-2018 para 1.146 de janeiro a junho de 2019-2022.

Além disso, levantamento realizado pelo MapBiomas mostra que apenas 2,4% de todos os alertas de desmatamento tiveram atuação (embargo ou multa) do Ibama e do ICMBio.

Plano de governo:

2 – “As queimadas ilegais são assunto da mais alta importância para o governo federal. (…) O governo federal tem realizado enormes esforços para coibir tal prática, integrando ministérios e agências, bem como realizando, sempre que possível, a articulação com entes federativos.” (página 37)

Brasil real:

De janeiro a julho, a área queimada na Amazônia aumentou 41% em relação ao mesmo período do ano passado: 11.779 km2 foram destruídos pelo fogo, contra 8.333 km2 nos sete meses de 2021, segundo dados do Inpe. No Cerrado, a área queimada aumentou 11% no mesmo período: de 34.478 km2 para 38.391 km2. Se considerados todos os seis biomas do país, foram queimados 60.283 km2 de janeiro a julho, alta de 2% em relação ao mesmo período de 2021. Em 2020, a Amazônia teve o terceiro maior número de queimadas da década e o Pantanal teve o maior número de queimadas desde o início da série histórica, em 1998.

Plano de governo:

3 – “Lançada em junho de 2021, a Operação Guardiões do Bioma (…) é um novo paradigma na repressão dos crimes ambientais e apresenta resultados expressivos.” (página 38)

“O governo Bolsonaro adotou medidas para atuar fortemente e com contundência contra os crimes ambientais e demais crimes associados, com a Operação Guardiões do Bioma. Na gestão após a reeleição, é necessário trazer continuidade a esse esforço de proteção.” (páginas 41 e 42)

Brasil real:

É falsa a informação de que a Guardiões do Bioma apresenta “resultados expressivos”. Houve aumento de 9% das queimadas na Amazônia, segundo dados do Inpe, se comparados os meses de junho e julho do ano passado (os dois fechados até o momento desde o início da operação) com igual período de 2022. Foram 2.305 focos em junho de 2021 e 2.562 no mesmo mês de 2022. Em relação a julho, o número subiu de 4.977 focos em 2021 para 5.373 em 2022. Se considerados os sete meses do ano com dados fechados até agora (janeiro a julho), a alta de queimadas na Amazônia em relação a 2021 chega a 13,5%. Além disso, houve alta de 41% da área queimada no bioma nesse período, já citada no post anterior.

Também é falsa a informação de que o combate ao desmatamento apresenta “resultados expressivos” no período destacado. A área sob alertas de desmate em junho deste ano foi recorde, segundo dados do sistema Deter-B, do Inpe, com série histórica iniciada em 2016. Se considerado também o mês de julho, houve empate técnico (1,9% de alta) na área de alertas em relação ao ano passado: 2.559 km2 em junho e julho de 2021 e 2.607 km2 no mesmo bimestre de 2022.

Apesar de o Plano de Governo afirmar que a Guardiões do Bioma representa “um novo paradigma na repressão dos crimes ambientais”, após o início da operação houve queda de 4% do número de autos de infração aplicados pelo Ibama por crimes contra a flora nos nove Estados da Amazônia Legal: foram 424 em junho e julho de 2021, ante 407 no mesmo período de 2022.

Plano de governo:

4 – “O Governo Federal tem buscado, por meio de ministérios e agências, em coordenação com os estados, coibir os crimes nacionais e transnacionais. Operações interagências, como a Verde Brasil 2, devem ser estimuladas. Somente em 6 meses, foram realizadas 183 prisões em flagrante, apreendidos 178 mil m³ de madeira ilegal, além de 26 mil armas e munições ilegais, foram aplicadas multas por crimes ambientais que ultrapassam 1,79 bilhões de reais e foram embargados 99 mil hectares de terra.” (página 41)

Brasil real:

Iniciadas em 2019, as operações militares na Amazônia (Verde Brasil e Sumaúma) fracassaram, apesar do gasto adicional de pelo menos R$ 550 milhões, e foram abortadas pelo governo no ano passado. Até o general Hamilton Mourão, que preside o Conselho Nacional da Amazônia, já admitiu o fracasso. Isso ocorreu após a divulgação do aumento de 73% do desmatamento em 2021 na comparação com 2018, segundo o Inpe. “Se você quer um culpado, sou eu. Não vou dizer que foi ministro A, B ou C. Eu não consegui fazer a coordenação e a integração de forma que ela funcionasse”, disse o vice-presidente da República na ocasião.

Sem detalhar os dados e sua origem, a Defesa afirmou no fim de 2020 que os primeiros seis meses da Verde Brasil 2, de 11 de maio a 11 de novembro de 2020, resultaram em multas ambientais no valor de R$ 1,79 bilhão – balanço repetido agora no plano de governo. No mesmo período de 2019, só o Ibama aplicou R$ 2,12 bilhões em multas por infrações contra a flora na Amazônia, segundo dados do instituto tabulados pelo Fakebook.eco e publicados na época. Foi um resultado 18% maior, com um quinto do efetivo e orçamento pelo menos seis vezes menor.

Plano de governo:

5 –  “A imensidão geográfica, a cobertura vegetal densa e de difícil trânsito, em função da falta de rodovias e aeródromos, os incontáveis rios e igarapés e dificultam a fiscalização, mesmo com modernos meios tecnológicos.” (página 41)

Brasil real:

A Amazônia Legal tem basicamente o mesmo tamanho desde 1953, quando foi delimitada por Getúlio Vargas. Espanta que só agora o presidente tenha descoberto que ela é grande. As “peculiaridades amazônicas” não impediram a redução de 83% do desmatamento de 2004 (taxa de 27.772 km2) a 2012 (4.571 km2), após a criação do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), segundo dados do Inpe. Sob Bolsonaro, o PPCDAm foi abortado e o desmatamento só aumentou, ficando sempre acima de 10 mil km2, o que não ocorria desde 2008.

Plano de governo:

6 – “O Governo Federal editou o Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares), que prevê acabar com os lixões e aterros controlados nos próximos dois anos, política que prevê, inclusive, o reaproveitamento de 48% dos resíduos até 2040.” (página 30)

Brasil real:

Se o ritmo da atual gestão for mantido, a meta oficial de acabar com os lixões do país em 2024 vai atrasar quase 40 anos – o objetivo só seria atingido em 2063, segundo reportagem da Folha de S. Paulo.

No entanto, o governo afirmou em diversas ocasiões, como na Conferência do Clima de Glasgow, ter fechado 645 lixões de 2019 a 2021, o que é falso, como mostramos aqui. Levantamento do Fakebook.eco revelou que pelo menos 195 desses lixões (30%) já estavam desativados ao menos desde 2018, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Regional. Procurado, o Ministério do Meio Ambiente se recusou a enviar a relação das cidades que teriam fechado lixões e atribuiu todos os dados à Abetre (Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos e Efluentes). Confrontada, a entidade afirmou que os números seriam auditados.

Plano de governo:

7 – “Os indígenas e os quilombolas (…) devem ser respeitados em sua culturalidade e tradições características, desde que não impliquem em violação de direitos humanos.” (página 39)

Brasil real:

Jair Bolsonaro foi o único presidente brasileiro a ser denunciado no Tribunal Penal Internacional (o tribunal de Haia) por incitação ao genocídio de povos indígenas. Em seu governo, a proteção aos povos originários do Brasil foi desmantelada, como documentaram os próprios servidores da Funai, num dossiê em parceria com o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) que detalha a política “anti-indígena” da fundação no atual governo, comandada pelo policial federal Marcelo Xavier, ligado à bancada ruralista.

Enquanto o programa de governo faz uma referência velada a supostas práticas culturais indígenas que violariam direitos humanos (como o suposto infanticídio, espantalho criado por evangélicos como a ex-ministra Damares Alves), no mundo real são os indígenas que têm seus direitos violados. Dados da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), do Ministério da Saúde, compilados pelo Cimi (Conselho Indigenista Missionário), mostram que 182 indígenas foram assassinados em 2020, segundo ano da gestão Bolsonaro, último dado disponível. É o maior número desde o início da série histórica, iniciada em 2003. Houve aumento de 35% em relação a 2018 (135 assassinatos), último ano do governo Temer. Já o número de invasões de terras indígenas aumentou 137% em relação a 2018, segundo o Cimi  – foram 263 casos em 2020, contra 256 em 2019 e 111 em 2018.

Plano de governo:

8 – “O governo federal criou o Programa Floresta+, que tem por diretriz incentivar a retribuição monetária e não monetária pelas atividades de melhoria, conservação e proteção da vegetação nativa; e estimular ações de prevenção de desmatamento, degradação e incêndios florestais por meio de incentivos financeiros privados.” (página 38)

Brasil real:

O Floresta+ foi criado no governo Temer e submetido em agosto de 2018 ao Fundo Verde do Clima (GCF, na sigla em inglês), da ONU, voltado ao combate da mudança do clima. Aprovado em fevereiro de 2019, o projeto recebeu R$ 500 milhões do GCF e completou três anos sem beneficiar agricultores familiares, povos indígenas e comunidades tradicionais, público-alvo da iniciativa. A primeira chamada pública para seleção de beneficiários foi aberta somente em 29 de março, e receberia propostas até 30 de junho. O prazo foi prorrogado até 31 de julho, e o resultado não havia sido divulgado até a publicação deste texto. Até agora só houve um teste do mecanismo, com seis agricultores. Três anos e cinco meses após sua aprovação, o Floresta+ continua no papel.

Programa de governo:

9 – “A Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) possui projetos customizados para a região amazônica e que permitem o desenvolvimento regional (…) A regularização fundiária e a concessão de florestas para a iniciativa privada contribuirão para a exploração racional e sustentável da Amazônia.” (páginas 40 e 41)

Brasil real:

É falso que o governo dependa de mudanças na legislação para promover a regularização fundiária e resolver a indefinição sobre propriedade de terras que, segundo a pesquisadora Brenda Brito, do Imazon, abrange cerca de 30% da Amazônia Legal. A Lei 11.952, de 2009, que criou o programa Terra Legal (flexibilizada em 2017 por Michel Temer para aumentar o prazo de anistia à ocupação ilegal), já trata desse tema e tem como objeto a regularização de terras fora de assentamentos, com emissão de títulos. Mais de 90% das pendências de regularização fundiária na Amazônia hoje podem ser resolvidas apenas com a aplicação da lei existente. Mas o governo Bolsonaro não avançou na regularização: no período 2009-2018, foram emitidos em média 3.190 títulos definitivos por ano fora de assentamentos rurais na Amazônia. Em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, apenas um título foi emitido. No ano passado, 753 títulos definitivos foram emitidos.

As concessões florestais foram criadas em 2006, pela então ministra Marina Silva. A primeira delas foi na Floresta Nacional do Jamari, em Rondônia, onde em 2019 Jair Bolsonaro desautorizou uma operação do Ibama que queimou maquinário de madeireiros ilegais que estavam invadindo a floresta concedida.

Plano de governo:

10 – “Para tanto, na gestão 2023-2026, o governo Bolsonaro buscará acelerar o desenvolvimento de uma sorte de ações de redução e mitigação de gases de efeito estufa e uso racional de recursos naturais.” (página 39)

Brasil real:

Bolsonaro é um negacionista das mudanças climáticas que encheu seu gabinete de negacionistas das mudanças climáticas, como o ex-ministro Ricardo Salles e o secretário de Assuntos Fundiários, Nabhan Garcia, que comparou o Acordo de Paris a papel higiênico. O presidente ameaçou retirar o país do acordo e, antes mesmo de tomar posse, retirou a oferta feita pelo governo Temer de sediar a COP25 no Brasil.

Em seu governo, as emissões aumentaram por dois anos seguidos: 2,5% em 2019 e 9,5% em 2020, segundo o SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima). O Brasil foi o único dos maiores poluidores do planeta a aumentar suas emissões de gases-estufa em 2020, ano em que a Covid-19 quebrou a economia mundial. Foi também um dos únicos três países do G20 (além de Austrália e México) a reduzir a ambição de sua meta climática no Acordo de Paris, violando o tratado. A chamada “pedalada” climática fez o governo ser processado por jovens ativistas.

Plano de governo:

11 – “Por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), foram titulados 326 mil assentados em três anos. Essa titularização de terras nos assentamentos foi maior na atual gestão que nos dez anos anteriores.” (página 34)

Brasil real:

É falso que, sob Bolsonaro, tenham sido emitidos mais títulos para assentados da reforma agrária do que nos dez anos anteriores à sua gestão. Segundo dados enviados pelo Incra ao STF, de 2009 a 2018 foram entregues 456.636 títulos, cifra que supera os 326 mil citados no plano de governo. Já de acordo com levantamento da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), foram 453.639 os títulos emitidos entre 2009 e 2018, número também maior que o citado no plano.

Além disso, de acordo com os mesmos dados do Incra, 88,8% dos títulos entregues em 2019 e 2020 são provisórios, os chamados Contratos de Concessão de Uso (CCU). Diferentemente da titulação via Concessão de Direito Real de Uso (CDRU) ou Título de Domínio (TD), com o CCU o assentado não tem direito definitivo à terra, não pode registrar o imóvel em seu nome ou usá-lo como garantia para acessar crédito bancário, por exemplo.

Os dados enviados pelo Incra ao STF abrangem o período até fevereiro de 2021. Segundo levantamento da Abra, a tendência se manteve depois disso: até agosto de 2022, 88,6% dos títulos emitidos no governo Bolsonaro são provisórios, e apenas 11,4%, definitivos.

A figura abaixo, elaborada pelo próprio Incra, mostra como a emissão maciça de títulos provisórios a antigos beneficiários foi acompanhada pela paralisia na política de reforma agrária, com redução do número de famílias assentadas. O crescimento vertiginoso na entrega de títulos – iniciado por Temer e mantido por Bolsonaro a partir de 2020 -, segundo avaliação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), não garante mudança nas condições de pequenos produtores titulados e pode forçar a venda de terras.

Os dados mostram que o aumento na concessão de títulos provisórios para antigos assentados foi acompanhado pelo fim das desapropriações e aquisições de terras para o Plano Nacional de Reforma Agrária, pela paralisação na criação de novos assentamentos e pela queda no número de famílias assentadas.

Plano de governo:

12 – “Sabe-se que dependendo do tipo de parâmetro, do tipo de leitura de dados, das estatísticas utilizadas e da tecnologia de imagens adotadas, dentre outros fatores, os resultados podem ser extremamente díspares. Para este Plano de Governo, é fundamental, até para que o assunto tenha a necessária transparência, que seja determinado o desenvolvimento de metodologias que consolidem as bases de dados e harmonizem os resultados no sentido de balizar as políticas públicas contra queimadas de maneira mais assertiva.” (página 38)

Brasil real:

Este trecho do plano de governo é uma ameaça não muito velada ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, que monitora as queimadas e o desmatamento no país. O Inpe talvez tenha sido a principal pedra no sapato de Bolsonaro, porque desde 2019 seus dados, públicos, mostram que as políticas antiambientais do governo se refletiram em picos de fogo e devastação, em especial na Amazônia. Não é exagero dizer que os dados do Inpe impediram o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul e são um dos principais fatores a segurar a entrada do Brasil na OCDE.

O governo tenta desde 2019 desqualificar os dados do Inpe ou intervir no instituto. O ex-ministro Ricardo Salles criticava o Inpe desde antes de ser empossado e tentou contratar uma empresa para fazer um monitoramento paralelo. Figuras como o vice-presidente Hamilton Mourão e os ministros Tereza Cristina (Agricultura) e Augusto Heleno (Segurança Institucional) já disseram que os dados eram falsos. Em 2019, quando os satélites começaram a mostrar queimadas sem controle na Amazônia, Bolsonaro acusou o então diretor, Ricardo Galvão, de estar “a serviço de alguma ONG”, e o exonerou dias depois. Em 2020, o Ministério da Defesa comprou sem licitação satélites finlandeses de R$ 175 milhões para duplicar o trabalho do Inpe de monitoramento da Amazônia (leia abaixo). Agora, o plano de governo já deixa claro que, caso o presidente seja reconduzido, o monitoramento do Inpe corre risco.

Plano de governo:

13 – “Em maio de 2022, a Força Aérea Brasileira (FAB) fez o lançamento de satélites do Projeto Lessonia 148. Os satélites Carcará 1 e Carcará 2 vão gerar imagens em alta resolução com vistas a contribuir para o monitoramento de queimadas e de desastres naturais, além do combate ao tráfico de drogas e à mineração ilegal.” (página 37)

Brasil real:

O anúncio da compra dos satélites finlandeses da empresa Iceye por R$ 175 milhões foi feito em 2020, na esteira de mais um escândalo de queimadas e desmatamento. O processo não teve licitação e foi feito de forma sigilosa pela Defesa. As duas espaçonaves produzirão imagens de alta resolução que já estão disponíveis hoje gratuitamente por meio do MapBiomas Alerta. Daí terem sido chamadas por especialistas de “cloroquina espacial” – uma falsa cura para o problema do desmatamento.

Além de duplicar o trabalho do Inpe e gastar dinheiro público à toa, os satélites da FAB não contribuirão para resolver o problema de desmatamento e queimadas porque hoje o governo já não atende os alertas feitos pela tecnologia atual: segundo o MapBiomas, apenas 2,4% de todos os alertas de desmatamento no país tiveram alguma atuação do Ibama e do ICMBio. Ou seja, não é por falta de satélite para enxergar o problema, e sim por falta de fiscalização, que o crime corre solto.

Plano de governo:

14 – “Com a implantação do Sistema de Solicitação das Águas da União, 100% digital, a Lei nº 14.011/2020 regulamentada pelo Decreto nº 10.576/2020 desburocratizando e ampliando os empreendimentos, foram definidas 225 novas áreas de Águas da União (espaços físicos em corpos de água de domínio da União para a prática da aquicultura) para implantação de empreendimentos aquícolas.” (páginas 39 e 40)

Brasil real:

Multado por pesca ilegal em 2012 numa unidade de conservação em Angra dos Reis, Jair Bolsonaro fez tudo que esteve a seu alcance para desregular o setor pesqueiro, atropelando qualquer preocupação ambiental. A cessão de águas da União para a aquicultura eliminou a avaliação ambiental, excluindo o Ministério do Meio Ambiente do processo de avaliação dos chamados parques aquícolas. Não há mais controle sobre espécies a serem criadas em rios federais, o que pode causar impactos sobre a fauna local e a própria pesca em caso de escapes de espécies exóticas. Isso também foi feito com a comercialização de peixes ornamentais.

Plano de governo:

15 – “Ao tratar o meio ambiente, deve-se considerar o que prega a Constituição Federal em seu Art. 225 (…) somado ao conceito internacionalmente reconhecido de justiça ambiental que prega o tratamento justo (…) tratamento justo significa que nenhum grupo de pessoas deve arcar com uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas resultantes de operações ou políticas industriais, governamentais e comerciais.” (página 40)

Brasil real:

Sob o eufemismo de “tratamento justo”, o programa de governo sugere que infratores ambientais, como produtores rurais que desmataram ilegalmente, seguirão protegidos contra o que Bolsonaro chama de “indústria das multas ambientais”, ou seja, a fiscalização do Ibama e do ICMBio. Essa proteção ao ilegal esteve na base do desmonte da fiscalização ambiental entre 2019 e 2022, que levou o desmatamento a sair do controle.

Plano de governo:

16 – “Nos temas de meio ambiente, mudança do clima e segurança alimentar, o Brasil tem a condição singular de ser ao mesmo tempo um dos maiores produtores agrícolas do mundo (…) o detentor da maior cobertura florestal nativa (…)” (página 45)

Brasil real:

OK, esta é a afirmação menos grave do plano inteiro, mas, apenas por pedagogia é preciso corrigir: é falsa a afirmação de que o Brasil é detentor da maior cobertura florestal nativa. Esse posto pertence à Rússia, que tem 8,2 milhões de quilômetros quadrados de florestas (quase um Brasil).

Plano de governo:

17 – “Essas e outras iniciativas devem ser fortalecidas no próximo mandato (2023-2026), pois, além de mitigarem os problemas da poluição ambiental e auxiliarem na proteção ao meio ambiente, diminuirão sobremaneira a utilização pelo país de fontes energéticas baseadas em óleo e carvão, sem comprometer as demandas e o crescimento nacional.Importante destacar que o Brasil tem grande potencial de ser exportador de energia verde com a implantação de geração de energia limpa e alternativas, como a eólica off shore e o hidrogênio verde.”

Brasil real:

O governo Bolsonaro acelerou a fossilização da matriz energética brasileira. Determinou que as termelétricas fósseis, então acionadas apenas em períodos de seca, fossem ligadas permanentemente. Aprovou em janeiro de 2022, no dia em que o IPCC (o painel do clima da ONU) publicava seu alerta mais forte sobre a emergência climática, um plano que permitirá a construção de novas usinas termelétricas a carvão até 2040 – quando o mundo inteiro precisará ter aposentado esse combustível. E sancionou um “jabuti” (contrabando legislativo) na lei de privatização da Eletrobras que exige a instalação de 8 Gigawatts de termelétricas a gás fóssil, aumentando as emissões do setor elétrico em um terço.