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Entrevistas

Júlia Rocha: “o capitalismo explora a falta de autonomia da mulher sobre o seu corpo”

Ao lado da professora Adriana Souza, a médica e ativista do PCB debateu sobre a representatividade da mulher na política

Julia Rocha, médica e cantora (Foto: Twitter)
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Por Ricardo Nêggo Tom - A cada dia que passa, a mulher vem ocupando um papel de destaque no ambiente político brasileiro. Apesar de a sub-representação feminina nos parlamentos ainda precisar ser combatida, as mulheres estão conquistando mais espaço nesse lugar historicamente dominados por homens. Mais importante do que participação feminina nas decisões políticas da sociedade é a participação de mulheres pretas nas decisões que afetam diretamente os chamados grupos de representatividade minoritária. Temas como o planejamento familiar, por exemplo, nunca foram discutidos como política pública e de forma humanizada para as camadas mais pobres da população, de modo a levar em consideração a opinião da mulher, que, por muitas vezes, tem a responsabilidade de chefiar essas famílias. Para a médica e cantora Julia Rocha, que foi candidata a deputada federal pelo PCB em Minas Gerais, “temos trabalhadores e trabalhadoras qualificados para esse processo, mas eles são escassos. Temos bons métodos contraceptivos, mas eles são inacessíveis. E no SUS, nós temos uma restrição dos tipos de métodos e um atraso muito grande quando falamos de métodos cirúrgicos, como vasectomia e ligadura de trompas. A consequência dessas situações é uma verdadeira tragédia na vida das mulheres. Para termos uma ideia, 62% das gestações no Brasil são gestações não planejadas. E isso é o começo para um grande desequilíbrio econômico e emocional”. Júlia lembra ainda que “as mortes ocorridas durante abortos feitos clandestinamente e que estamos lutando para evitar, começam numa gestação não planejada. Então, dar às famílias e às pessoas a oportunidade de planejar a sua vida reprodutiva é uma condição para que elas consigam minimamente se organizar economicamente, para que essas crianças tenham uma assistência mais adequada”.

Júlia, que também é escritora, revelou que durante a sua prática como médica sempre perguntou às suas pacientes, principalmente, aquelas de baixa condição econômica e em sua maioria negras, quantos filhos elas planejaram ter quando se casaram ou quando eram mais jovens. “Muitas mulheres dizem que planejavam ter um ou dois filhos, mas por falta de oportunidades e acesso à informação e aos métodos adequados, elas tiveram 6, 8 filhos. E já dá para imaginar o impacto disso no orçamento de uma família”. Ela também destaca a luta contra o racismo no sistema de saúde, que, por vezes, desumaniza o atendimento de corpos pretos. “Lutar contra o racismo, seja na assistência à saúde, seja na educação, seja no cotidiano, esse racismo que esmaga pessoas não brancas a partir da escassez econômica, é também lutar por uma mudança e superação desse sistema capitalista e a criação de um mundo novo, mais solidário e mais justo”. Essa visão mais justa e igualitária, onde a população que mais trabalha e contribui para o progresso social, também possa usufruir da riqueza que produz, é vista por Júlia como uma forma de combater a exploração da força de trabalho dos filhos não planejados por essas mulheres no futuro. “O descontrole da mulher e a falta de autonomia sobre o próprio corpo, serve ao sistema capitalista. Uma mulher que tem 8 filhos, ao invés dos dois que ela desejou e planejou, provavelmente ela não terá condições físicas, emocionais e econômicas para poder cuidar desses filhos d a forma que ela gostaria, esses filhos não vão estudar o tanto que ela gostaria que eles estudassem e, no final das contas, eles vão ser mão de obra barata para esse sistema explorar ali na esquina”.

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Educação como processo emancipatório

A professora de História e ativista ambiental Adriana Souza, que foi candidata a deputada estadual pelo PT em Minas Gerais, falou sobre a importância da educação nesse processo de emancipação da mulher na sociedade brasileira e também a respeito do elitismo característico do bolsonarismo, que considera perda de tempo investir na educação dos mais pobres. “Além de ser filha e neta de mãe e avó solo, a tradicional família periférica desse país, eu também sou filha das mudanças implementadas no país durante os governos do presidente Lula. Porque eu acessei a universidade e me formei professora pela PUC-MG, através de uma bolsa integral do Prouni, demonstrando mais uma vez como as políticas públicas de inclusão, especialmente, na área de educação, são grandes janelas de oportunidade para a nossa gente e para o nosso povo. E esse tipo de fala que Bolsonaro diz da nossa gente e do nosso povo, são as falas reproduzidas pela elite desse país, que, em grande parte, é uma elite que não tem nenhum tipo de identidade com o nosso país. É uma elite entreguista e vira-lata que não merece o nosso respeito. Porque o povo brasileiro é um povo criativo, trabalhador e de luta. Eu diria ainda que somos uma civilização original e ainda vamos provar para o mundo a nossa capacidade de desenvolvimento. E um novo tipo de desenvolvimento, que leve em consideração uma relação harmônica entre os seres humanos e a natureza e também considerando a potência que somos do ponto de vista dos recursos hídricos e naturais. Adriana considera que “é uma tarefa nossa, do nosso povo, apontar os rumos para uma saída anticapitalista e ecossocialista para podermos pensar um outro mundo diferente”.

Também de formação comunista, Adriana pensa na educação do ponto de vista feminista como uma forma de repensar o papel da mulher na história do país. “Como professora de história, as atividades que eu sempre realizei em sala de aula, mas não só atividades preparadas e planejadas para o ensino, visavam priorizar e privilegiar, por exemplo, uma perspectiva feminista, pensar o papel das mulheres, não só na história do nosso país, mas na história das lutas do nosso povo. Temos grandes referências na história do Brasil de mulheres como Dandara e Maria Quitéria, que foram invisibilizadas durante muitos anos no ensino da história. Pensar nessa perspectiva é importante, porque as meninas se reconhecem como mulheres que podem transformar a sua rea lidade. A educação feminista passa muito por estarmos o tempo inteiro trazendo esse resgate da representatividade histórica da mulher, no cotidiano, na fala, na conversa com os alunos, que muitas vezes é permeada pelo machismo, pelo racismo e, principalmente, pela homofobia na sala de aula. Então, precisamos também ter uma postura de diálogo e enfrentamento a esse tipo de discriminação e preconceito que é recorrente na sala de aula, mas não só por parte das crianças. Na sala dos professores a gente encontra muitas vezes colegas professoras e professores que reproduzem machismo, racismo e homofobia, e precisamos entender que esses espaços cotidianos do micro poder e das micro relações, são espaços fundamentais para o enfrentamento desses preconceitos que matam a nossa gente e que colocam o nosso povo em dificuldade de acessar diversas coisas na nossa sociedade”.

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