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Mundo

Michael Hudson e o fim da civilização ocidental

Porque lhe falta resiliência e o que tomará o seu lugar

(Foto: Duy Pham/Unsplash)
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Estudo de Michael Hudson apresentado pelo autor em 11.07.22 no 9º Fórum Sul-Sul sobre Sustentabilidade. Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz para o Brasil 247.

O COLAPSO DA CIVILIZAÇÃO MODERNA E O FUTURO DA HUMANIDADE

O maior desafio que as sociedades enfrentam tem sempre sido como conduzir o comércio e o crédito sem permitir que comerciantes e credores ganhem dinheiro explorando os seus clientes e devedores. Toda a antiguidade reconhecia que o impulso por adquirir dinheiro é viciante e, efetivamente, tende a ser explorador e, portanto, é socialmente injurioso. Os valores morais da maioria das sociedades se opunham ao egoísmo, acima de tudo na forma de avareza e vício de riqueza – o qual os gregos chamavam de philarguria [avaricia] – o amor ao dinheiro, mania-de-prata. Os indivíduos e as famílias que se saciavam no consumo conspícuo tendiam a ser ostracizadas, porque era reconhecido que a riqueza muitas vezes era obtida às custas dos outros, especialmente os mais fracos.O conceito grego de hubris [arrogância, soberba] envolvia o comportamento egoísta que causava danos aos outros, A avareza e ganância deviam ser punidas pela deusa da justiça Nêmesis [a deusa da vingança], a qual tinha muitos antecedentes no Oriente Próximo, como Nanse de Lagash na Suméria, que protegia os fracos contra os poderosos, os devedores contra os credores.

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Aquela era a proteção que se esperava que os governantes provessem à serviço dos deuses. É por isso que os governantes eram imbuídos com poder suficiente para proteger a população de ser reduzida à dependência às dívidas e a clientelia. Os chefes de tribos, reis e templos eram encarregados de alocar crédito e terras de cultivo para capacitar os pequenos proprietários a servir no exército e prover trabalho não-remunerado [corvée labor]. Os governantes que se comportavam egoisticamente eram passíveis de serem destituídos, ou os seus súditos poderiam fugir, ou apoiar líderes rebeldes ou atacantes estrangeiros que prometiam cancelar as dívidas e redistribuir a terra de maneira mais equitativa.

A função mais básica dos reinados do Oriente Próximo era proclamar a “ordem econômica”, misharum [anistia] e andurarum [liberdade], o cancelamento total das dívidas, ecoados no Ano do Jubileu judaico. Não existia “democracia” no sentido dos cidadãos elegerem os seus líderes e administradores, mas a “realeza divina” era obrigada a realizar a meta implícita da democracia: “proteger os fracos dos poderosos”.

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O poder real era apoiado pelos templos e os sistemas éticos ou religiosos. As principais religiões que surgiram em meados do primeiro milênio AC, aquelas de Buddha, Lao-Tzu e Zoroastro, consideravam que os impulsos pessoais deveriam ser subordinados à promoção do bem-estar geral e da ajuda mútua.

Aquilo que não parecia provável há 2500 anos era que uma aristocracia de chefes de guerra conquistasse o mundo ocidental. Ao criar o que se tornou o Império Romano, a oligarquia tomou o controle da terra e, no tempo devido, do sistema político. Ela aboliu a autoridade real ou cívica, transferiu a carga fiscal às classes mais baixas e conduziu a população e a indústria à dívida.

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Isto foi feito com uma base puramente oportunista. Não houve tentativa alguma de defender isto ideologicamente. Não houve sequer uma alusão ao surgimento de um Milton Friedman arcaico que popularizasse uma nova ordem moral que celebrasse a avareza ao alegar que a ganância é o que faz avançar, e não a retroceder a economia, convencendo a sociedade a deixar a distribuição de terras e de dinheiro nas mãos do “o mercado” controlado por corporações privadas e credores de dívidas, ao invés da regulação comunalista feita por governantes de palácios e templos – ou, por extensão, o socialismo atual. Os palácios, os templos e os governos civis eram credores. Eles não eram forçados a tomar empréstimos para funcionar e, assim, não estavam sujeitos às exigências políticas de uma classe credora privada.

Levar a população, a indústria e até os governos a contraírem dívidas com uma elite oligárquica é precisamente aquilo que ocorreu no Ocidente – que agora está tentando impor a variante moderna deste regime baseado em dívidas – o capitalismo financeiro neoliberal centrado nos EUA – ao mundo inteiro. É disso que se trata a atual Nova Guerra Fria.

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Segundo a moralidade tradicional das sociedades antigas, o Ocidente era bárbaro – começando pela Grécia e a Itália clássicas por volta do século VIII AC. Efetivamente, o Ocidente estava na periferia do mundo antigo quando os sírios e os fenícios trouxeram do Oriente Próximo a ideia das dívidas carregadas de juros às sociedades que não tinham uma tradição real de cancelamentos periódicos de dívidas. A ausência de um poder palaciano e templário forte habilitou o surgimento de oligarquias credoras em todo o mundo mediterrâneo.

A Grécia acabou sendo conquistada primeiro pela Sparta oligárquica, depois pela Macedônia e ao final por Roma. Foi a o avaro sistema legal pró-credores desta última [Roma] que modelou a civilização ocidental subsequente. Atualmente, um sistema financeirizado de controle oligárquico – cujas raízes remontam à Roma – está sendo apoiado e efetivamente imposto pela Nova Guerra Fria dos EUA através da diplomacia, pela força militar e por sanções econômicas contra países que buscam se opor a ela.

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A assunção oligárquica da antiguidade clássica

A fim de compreender como a civilização ocidental se desenvolveu de uma maneira que continha as sementes fatais da sua própria polarização econômica, do seu declínio e da sua queda, faz-se necessário reconhecer que, quando a Grécia e Roma clássicas apareceram no registro histórico, uma Era das Trevas havia interrompido a vida econômica desde o Oriente Próximo até o Mediterrâneo oriental, do ano de 1200 até cerca de 750 AC. Aparentemente, a mudança climática causou uma severa despopulação na região, acabando com as economias lineares palacianas da Grécia e a vida reverteu ao nível local durante aquele período.

Algumas famílias criaram autocracias tipo-máfia ao monopolizarem a terra e ao forçarem os trabalhadores à esta através de várias formas de clientelia coercitiva e de dívidas. Acima de tudo estava o problema da dívida carregada de juros que os mercadores do Oriente Próximo trouxeram às terras do mar Egeu e do Mediterrâneo – sem a correspondente restrição de cancelamentos reais de débitos.

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Desta situação, surgiram de Sparta para Corinto, Atenas e as ilhas gregas reformadores “tiranos” gregos nos séculos VII e VI AC. Conta-se que a dinastia cispelídia em Corinto e novos líderes similares em outras cidades cancelaram as dívidas que mantinham clientes em servidão na terra, redistribuíram aquela terra aos cidadãos e empreenderam gastos em infraestrutura pública para construir o comércio, abrindo o caminho para o desenvolvimento cívico e os rudimentos de uma democracia. Sparta promulgou austeras reformas de “Licurgo” contra o consumo conspícuo e a luxúria. A poesia de Archilochus na ilha de Paros e Solon de Atenas denunciou o impulso por riqueza pessoal como viciante, conduzindo à arrogância de causar danos a outros – que deveriam ser punidas pela deusa da justiça Nêmesis. O espírito era similar às religiões morais babilônica, judaica e outras.

Roma teve sete reis legendários (753-509 AC) sobre os quais se diz que atraíram imigrantes e evitaram que uma oligarquia os explorasse. Mas as famílias ricas derrubaram o último rei. Não havia algum líder religioso para contrapor-se ao poder delas, já que as principais famílias aristocráticas controlavam o sacerdócio. Não havia líderes que combinassem reformas econômicas domésticas com uma escola religiosa, e não havia a tradição ocidental de cancelamentos de dívidas – como Jesus defendia, na tentativa de restaurar a prática judaica do Ano do Jubileu. Havia muitos filósofos estoicos e lugares religiosos anfictiônicos como Delphi e Delos expressavam uma religião de moralidade pessoal e de evitar a arrogância.

Os aristocratas de Roma criaram uma constituição e um Senado antidemocráticos e leis que tornaram a servidão à dívida – e a consequente perda da terra – irreversível. Apesar que a ética “politicamente correta” era de evitar o engajamento no comércio e nos empréstimos de dinheiro, esta ética não evitou que emergisse uma oligarquia para dominar a terra e reduzir uma boa parte da população à servidão. Até o século 2 AC, Roma havia conquistado a região do Mediterrâneo inteira e a Ásia Menor, e as maiores corporações eram os coletores públicos de impostos, sobre os quais se conta que saquearam as províncias de Roma.

Sempre houve maneiras para os ricos agirem santamente em harmonia com a ética altruísta, evitando a ganância comercial enquanto se enriqueciam. Os ricos ocidentais da antiguidade foram capazes de chegar a um acordo com tal ética ao evitarem fazer empréstimos e comercializar diretamente entre eles, designando este “trabalho sujo” para os seus escravos, ou para homens livres, gastando os ingressos de tais atividades em filantropias conspícuas (que se tornaram espetáculos esperados nas campanhas eleitorais de Roma). Depois que o Cristianismo de tornou a religião romana no século IV DC, o dinheiro era capaz de comprar a absolvição através de doações adequadamente generosas para a Igreja.

O legado de Roma e o imperialismo financeiro do Ocidente

O que distingue as economias ocidentais das sociedades anteriores do Oriente Próximo e da maioria das sociedades asiáticas é a ausência de cancelamento de dívidas para restaurar o equilíbrio na economia um como. Todas as nações ocidentais herdaram de Roma a santidade dos princípios da dívida pró-credores que priorizam as reivindicações dos credores e legitimam a transferência permanente aos credores das propriedades dos devedores inadimplentes. Desde a Roma antiga até a Espanha dos Habsburgos, a Grã-Bretanha imperial e os EUA, as oligarquias ocidentais se apropriaram da renda e da terra dos devedores, enquanto passavam os impostos deles para os trabalhadores e a indústria. Isto causou a austeridade doméstica e levou as oligarquias a buscar a prosperidade através de conquistas no exterior, para ganhar dos estrangeiros aquilo que não está sendo produzidos pelas economias domésticas endividadas e sujeitas aos princípios legais pró-credores, transferindo terras e outras propriedades para uma classe rentista.

No século XVI a Espanha saqueou enormes navios de prata e ouro do Novo Mundo, mas aquela riqueza fluiu através das suas mãos, se dissipou na guerra ao invés de ser investida na indústria doméstica. Tendo uma economia em dívida, profundamente desigual e polarizada, os Habsburgos perderam a sua antiga possessão, a República Holandesa, que prosperava como a sociedade menos oligárquica e que tinha mais poder como credora do que como devedora.

A Grã-Bretanha seguiu uma ascensão e uma queda similar. A Primeira Guerra Mundial a deixou com uma pesada dívida de armas devida à sua antiga colônia, os EUA. Impondo a austeridade anti-trabalhista no país a fim de pagar estas dívidas, subsequentemente a libra esterlina britânica s e tornou um satélite do dólar estadunidense, sob os termos dos acordos de emprestar-arrendar dos EUA na Segunda Guerra Mundial e o empréstimo britânico de 1946. As políticas neoliberais de Margaret Thatcher e Tony Blair aumentaram agudamente o custo de vida, ao privatizarem e monopolizarem as habitações públicas e a infraestrutura, acabando com a competitividade industrial britânica ao aumentar o curso de vida e, consequentemente, os níveis salariais. 

Os EUA seguiram uma trajetória similar de exagero imperial, às expensas da sua economia doméstica. Os seus gastos militares no estrangeiro de 1950 em diante forçaram o dólar a abandonar o padrão-ouro em 1971. Aquela mudança teve o benefício imprevisto de promover um “padrão-dólar” que permitiu que a economia dos EUA e a sua diplomacia militar pegassem uma carona grátis do resto do mundo, ao forçar dívidas em dólar aos bancos centrais de outras nações, sem qualquer restrição prática.

A colonização financeira da pós-União Soviética nos anos de 1990 pela “terapia de choque” das privatizações doadas, seguida pela entrada da China na Organização Mundial do Comércio em 2001 – com a expectativa que a China, como a Rússia de Yeltsin, se tornasse uma colônia financeira dos EUA – levou a economia estadunidense a se desindustrializar, levando os empregos para a Ásia. A tentativa de forçar a submissão ao controle dos EUA, inaugurando a atual Nova Guerra Fria, levou a Rússia, a China e outros países a romperem com o sistema de comércio e investimento dolarizado, deixando os EUA e a OTAN a sofrer a austeridade e o aprofundamento da inequalidade de riqueza, à medida que as taxas de dívidas aumentam agudamente para indivíduos, corporações e estruturas governamentais.

Foi apenas há uma década que o senador John McCain e o presidente Obama caracterizaram a Rússia como sendo meramente um posto de gasolina com bombas atômicas. Isto pode muito bem ser dito sobre os EUA, que baseia o seu poder econômico mundial no controle do comércio de petróleo do Ocidente, enquanto os seus mais importantes excedentes de exportação são os produtos agrícolas e os armamentos. A combinação de alavancar dívidas financeiras e privatizações tornou os EUA em uma economia de alto custo, perdendo a sua antiga liderança industrial – muito parecido com o que fez o Reino Unido. Agora, os EUA estão tentando viver principalmente dos seus ganhos financeiros (juros, lucros de investimentos estrangeiros e a criação de créditos de bancos centrais a fim de inflar os ganhos de capital), ao invés de criar riqueza através do seu próprio trabalho e indústria. Os seus aliados ocidentais buscam fazer a mesma coisa. Eles eufemizam este sistema dominado pelos EUA como “globalização”, mas esta é simplesmente uma forma financeira de colonialismo – sustentada pela usual ameaça de força militar e “mudanças de regime” clandestinas a fim de evitar que outros países se retirem do sistema.

Este sistema imperial baseado nos EUA e na OTAN busca endividar países mais fracos e força-los a passar o controle das suas políticas para o FMI e o Banco Mundial. A obediência aos “conselhos” neoliberais e anti-trabalhistas destas instituições conduz a uma crise de dívidas que força a depreciação da taxa de câmbio do país devedor. O FMI, então, “salva” estes países da insolvência, sob a “condição” que eles vendam as propriedades públicas e transfiram o pagamento dos impostos dos ricos (especialmente os investidores estrangeiros) para os trabalhadores.

A oligarquia e a dívida são as características que definem as economias ocidentais. Os gastos militares dos EUA no estrangeiro e as suas quase constantes guerras deixaram o seu Tesouro profundamente endividado com governos estrangeiros e os seus bancos centrais. Assim, os EUA estão seguindo o mesmo caminho através do qual o imperialismo espanhol deixou a dinastia Habsburgo em dívida com os banqueiros europeus; a participação do Reino Unido em duas guerras mundiais, na esperança de manter a sua posição dominante no mundo. A dívida externa crescente dos EUA tem sido sustentada pelo seu privilégio de “moeda-chave” de emitir a sua própria dívida em dólar sob o “padrão dólar” sem que outros países tenham qualquer expectativa razoável de jamais serem pagos – exceto em mais “dólares de papel”.

Esta afluência monetária capacitou a elite gerencial de Wall Street para aumentar a sobrecarga rentista dos EUA através da financeirização e privatização, aumentando o custo de vida e fazendo negócios – parecido com o que ocorreu na Grã-Bretanha sob as políticas neoliberais de Margaret Thatcher e Tony Blair. As empresas industriais responderam ao levar as suas fábricas para economias de salários baixos a fim de maximizar os lucros. Mas, à medida que os EUA se desindustrializam com a crescente dependência de importações da Ásia, a diplomacia estadunidense está lavando adiante a Nova Guerra Fria que está conduzindo as economias mais produtivas do mundo a desacoplar-se da órbita econômica dos EUA.

A dívida crescente destrói as economias quando não está sendo usada para financiar novos investimentos de capital em meios de produção. Atualmente, a maior parte do crédito é criado para inflacionar as ações, os títulos e os preços imobiliários, não para restaurar a capacidade industrial. Como um resultado desta abordagem de fazer dívidas sem produção, a economia doméstica dos EUA tem sido sobrecarregada por dívidas devidas à sua própria oligarquia financeira. Apesar do almoço grátis dos EUA na forma de transferências contínuas da sua dívida oficial para bancos centrais estrangeiros – sem uma perspectiva visível de que as suas dívidas internacionais ou domésticas sejam pagas – a sua dívida continua a se expandir da economia se tornou mais ainda alavancada por dívidas. Os EUA se polarizaram com a extrema riqueza se concentre no topo, enquanto a maior parte da economia seja levada profundamente à dívida.

A falha das democracias oligárquicas na proteção da população endividada em geral

O que fez as economias ocidentais se tornarem oligárquicas é a sua falha em proteger os cidadãos de serem levados à dependência de uma classe credora de proprietários. Estas economias retiveram as leis de dívidas de Roma, baseadas no credor, mais notavelmente a prioridade das reivindicações do credor sobre a propriedade dos devedores. O Um Porcento de credores se tornou uma oligarquia politicamente poderosa, apesar das reformas políticas nominalmente democráticas que expandem os direitos de voto. As agências governamentais reguladoras foram capturadas e o poder de taxação foi feito regressivo, deixando o controle econômico e o planejamento nas mãos da elite rentaria.

Roma jamais foi uma democracia. De qualquer maneira, Aristóteles reconheceu que as democracias evoluem mais ou menos naturalmente em oligarquias – as quais reivindicam ser democráticas para fins de relações públicas, enquanto fazem de conta que a sua crescente concentração superpesada de riqueza é toda para melhor. A atual retórica ‘trickle-down’ [renda que “goteja” de cima para baixo] retrata os bancos e os gerentes financeiros como condutores das poupanças da maneira mais eficaz para produzir prosperidade para a economia inteira, não somente para eles mesmos.

O presidente Biden e os seus neoliberais do Departamento de Estado acusam como sendo “autocrática” a China e qualquer outro país que busque manter a sua independência econômica e autodeterminação. A prestidigitação retórica deles justapõe democracia à autocracia. Aquilo que eles chamam de “autocracia” é um governo forte o suficiente para evitar que uma oligarquia financeira orientada ao Ocidente endivide a população para si mesma – e, então, desvia a sua terra e outras propriedades para as suas próprias mãos e dos seus apoiadores estadunidenses e outros estrangeiros. 

O ‘Doublethink’ [Pensamento Duplo] Orwelliano de chamar as oligarquias de “democracias” é seguido pela definição de mercado livre como sendo um que é livre para os que buscam ganhos financeiros. A diplomacia sustentada pelos EUA endividou países, forçando-os a vender o controle das suas infraestruturas públicas e tornarem os “comandos superiores” das suas economias em oportunidades para extrair lucros monopolistas.

Esta retórica de autocracia versus democracia é similar à retórica que as oligarquias gregas e romanas usavam quando acusavam os reformadores democráticos de buscarem a “tirania” (na Grécia) ou a “realeza” (em Roma). Foram os “tiranos” gregos que derrubaram as autocracias tipo-máfia nos séculos 7º e 6º AC, pavimentando o caminho para as decolagens econômicas e proto-democráticas de Sparta, Corinto e Atenas. E foram os reis de Roma que construíram a sua cidade-estado ao oferecerem aos cidadãos a posse de terras de autoajuda. Aquela ´política atraiu imigrantes das cidades-estados vizinhas da Itália, cujas populações estavam sendo forçadas a contrair servidões de dívidas.

O problema é que as democracias ocidentais não se provaram adeptas a evitar que as oligarquias surjam e polarizem a distribuição de renda e riqueza. Desde Roma, as “democracias” oligárquicas não têm protegido os seus cidadãos dos credores que buscam apropriar-se da terra, da sua produção lucrativa e do domínio público para elas próprias.

Se nós perguntarmos quem atualmente está promulgando e impondo políticas que buscam controlar as ações das oligarquias afim de proteger a sobrevivência dos cidadãos, a resposta é que isto é feito pelos estados socialistas. Apenas um estado forte tem o poder de controlar uma oligarquia financeira e que busca o lucro. A embaixada chinesa nos EUA demonstrou isto na sua resposta à descrição do presidente Biden sobre a China ser uma autocracia:

“Agarrando-se a uma mentalidade de Guerra Fria e à lógica hegemônica, os EUA perseguem políticas de blocos, produz a narrativa de “democracia versus autoritarismo” ... e aumenta as alianças militares bilaterais, numa clara tentativa de contrapor-se à China.

“Guiado por uma filosofia centrada no povo desde o dia em que foi fundado ... o Partido [Comunista Chinês] tem trabalhado incansavelmente pelo interesse do povo e tem se dedicado a realizar as aspirações do povo em ter uma vida melhor. A China tem avançado integralmente a democracia popular, promovendo a garantia legal dos direitos humanos e defendendo a equidade social e a justiça. Agora, o povo chinês desfruta direitos democráticos mais plenos, mais extensivos e abrangentes.”

Quase todas as antigas civilizações não-ocidentais tinham proteções contra o surgimento de oligarquias mercantis e rentistas. É por isso que é tão importante reconhecer que aquilo que se tornou a civilização ocidental representa um rompimento do Oriente Próximo, do sul e do leste da Ásia. Cada uma destas regiões tinha o seu próprio sistema de administração pública para salvar o seu equilíbrio social da riqueza comercial e monetária que ameaçava destruir o equilíbrio econômico se fosse deixada incontrolada. Mas o caráter econômico do Ocidente foi modelado por oligarquias rentistas. A República de Roma enriqueceu a sua oligarquia ao tirar a riqueza das regiões que ela conquistava, deixando-as empobrecidas. Isso permanece sendo a estratégia extrativa do colonialismo europeu subsequente e, mais recentemente, da globalização neoliberal centrada nos EUA. A meta sempre tem sido “liberar” as oligarquias de restrições ao seu egoísmo.A grande questão é: “liberar” e “libertar” para quem? A economia política clássica definiu um mercado livre como aquele que é livre de renda não merecida, dirigida pelo lucro sobre a terra e outros recursos naturais, lucros monopolistas, juros financeiros e privilégios correlatos de credores. Mas, ao final do século XIX, a oligarquia rentista patrocinou uma contrarrevolução fiscal e ideológica, redefinindo um mercado livre como aquele que é livre para rentistas extraírem lucros econômicos – rendas não merecidas.Esta rejeição da crítica clássica aos ganhos rentistas tem sido acompanhada pela redefinição de “democracia” para exigir ter um “mercado livre” da variedade rentista da oligarquia anticlássica. Ao invés do governo ser o regulador econômico no interesse público, a regulação pública do crédito e dos monopólios é desmantelada. Isso permite que as empresas cobrem quanto quiserem pelo crédito que eles concedem e os produtos que eles vendem. A privatização do privilégio de criar dinheiro de crédito permite que o setor financeiro assuma o papel de alocar a propriedade de imóveis.

O resultado disso tem sido a centralização do planejamento econômico em Wall Street, na City de Londres, na Bolsa de Paris e outros centros financeiros imperiais. É dito que trata a Nova Guerra Fria atual: proteger este sistema capitalista financeiro neoliberal centrado nos EUA, ao destruir ou isolar os sistemas alternativos da China, da Rússia e dos seus aliados, enquanto buscam financiar mais ainda o antigo sistema colonialista, patrocinando o poder dos credores ao invés de proteger os devedores, impondo a austeridade carregada de dívidas ao invés do crescimento e tornando irreversível a perda de propriedade através de execuções de hipotecas e vendas forçadas.

Será que a civilização ocidental é um grande desvio de onde a antiguidade parecia se dirigir?

O que é tão importante na polarização econômica de Roma e o colapso resultante da dinâmica de dívidas carregadas de juros nas vorazes mãos da sua classe credora é quão radicalmente o seu sistema legal oligárquico pró-credores se diferenciava das leis de sociedades anteriores que controlavam os credores e a proliferação das dívidas. O surgimento de uma classe credora que usou a sua riqueza para monopolizar a terra e assumir o governo e os tribunais (sem hesitar em usar a força e assassinatos políticos visados contra potenciais reformadores) foram evitados por milhares de anos em todo o Oriente Próximo e outras terras asiáticas. Mas as periferias do mar Egeu e do mar Mediterrâneo careciam dos pesos e contrapesos que proveram resiliência em outros lugares no Oriente Próximo. O que distinguia o Ocidente desde o início tem sido a falta de um governo suficientemente forte para controlar o surgimento e a dominação de uma oligarquia credora.

Todas as economias antigas operavam com crédito, aplicando dívidas de colheitas durante o ano agrícola. Guerras, secas ou inundações, doenças e outras interrupções muitas vezes evitavam que o acúmulo de dívidas fosse pago. Mas os governantes do Oriente Próximo cancelavam nestas condições. Eles salvavam os seus soldados-cidadãos e trabalhadores cativos de perderem as suas terras de autossustento – os quais eram reconhecidos como sendo um poder rival em potencial ao palácio. Até meados do primeiro milênio AC, a servidão de dívidas havia se reduzido a ser apenas um fenômeno marginal na Babilônia, na Pérsia e nos reinos do Oriente Próximo. Mas a Grécia e Roma estavam em meio a um meio milênio de revoltas populares que exigiam o cancelamento de dívidas, a libertação da escravidão de dívidas e a perda de terras para autossustento.

Foram só os reis romanos e os tiranos gregos que foram capazes, por algum tempo, de proteger os seus sujeitos da escravidão de dívidas. Porém, ao final de contas, eles perderam para as oligarquias dos chefes de guerra credores. Portanto, a lição da história é que é necessário um poder governamental regulatório forte para evitar que as oligarquias surjam e usem reivindicações de credores e tomadas de terras para transformar os cidadãos em devedores, inquilinos, clientes e, em última instância, em servos. 

A ascensão do controle de credores sobre os governos modernos

Os palácios e os templos em todo o mundo antigo eram credores. Apenas no Ocidente surgiu uma classe privada de credores. Um milênio após a queda de Roma, uma nova classe de banqueiros obrigou os reinos medievais a contraírem dívidas. As famílias internacionais de banqueiros usaram os seus poderes de credores para controlar monopólios públicos de recursos naturais de maneira muito similar aos credores que tomaram o controle de terras individuais na antiguidade clássica.

A Primeira Guerra Mundial viu as economias ocidentais alcançarem uma crise sem precedentes, como resultado das dívidas Interaliadas e as reparações alemãs. O comércio se quebrou e as economias ocidentais entraram em depressão. O que as tiraram disto foi a Segunda Guerra Mundial e, desta vez, não foram impostas reparações ao final da guerra. No lugar de dívidas de guerra, a Inglaterra simplesmente foi obrigada a abrir a sua área da libra esterlina aos exportadores dos EUA e teve que abster-se de reviver os seus mercados industriais, ao desvalorizar a libra esterlina sob os termos do programa ‘Lend-Lease’  [Empresta-Arrenda] dos EUA e do Empréstimo Britânico de 1946 [que foi repago em 2008], como foi assinalado acima.

O ocidente emergiu da Segunda Guerra Mundial relativamente livre de dívidas privadas – e completamente sob a dominação dos EUA. Porém, desde 1945, o volume de dívidas se expandiu exponencialmente, alcançando proporções de crise em 2008, quando explodiu a bolha das hipotecas-lixo, as massivas fraudes bancárias e as pirâmides de dívidas financeiras, sobrecarregando a economia dos EUA, bem com as europeias e as do Sul Global.

O ‘Federal Reserve Bank’ [banco privado que faz o papel de banco central estadunidense] dos EUA monetizou [imprimiu moeda] US$ 8 trilhões para salvar os ativos de ações, títulos financeiros e hipotecas imobiliárias empacotadas da elite financeira, ao invés de salvar as vítimas das hipotecas-lixo e os países estrangeiros superendividados. O Banco Central Europeu fez algo parecido para salvar os europeus mais ricos de perderem o valor de mercado da sua riqueza financeira.

Mas já era tarde demais para salvar as economias dos EUA e da Europa. O longo acúmulo de dívidas pós-1945 completou o seu percurso. A economia dos EUA foi desindustrializada, a sua infraestrutura está colapsando e a sua população está tão endividada que o há pouca renda disponível para sustentar os seus padrões de vida. Este é a meta da atual diplomacia de Nova Guerra Fria. Ela envolve a extração de tributos econômicos ao empurrar as economias estrangeiras ainda mais a contrair dívidas em dólar, para serem pagas com a imposição da depressão e a austeridade sobre si próprias.

Esta subjugação é retratada por economistas tradicionais [mainstream] como uma lei da natureza e, portanto, como uma forma natural de equilíbrio, na qual a economia de cada nação recebe “o que ela vale”. Os atuais modelos econômicos do ‘mainstream’ se baseiam no pressuposto não-realista de que todas as dívidas podem ser pagas sem polarizar a renda e a riqueza. Presume-se que todos os problemas econômicos são auto-curáveis através da “mágica do mercado”, sem necessidade de intervenção de uma autoridade cívica. A regulação governamental é tida como ineficiente e ineficaz e, portanto, desnecessária. Isto deixa os credores, os tomadores de terras e os privatizadores com uma mão livre para desprivar outros da liberdade deles. Isto é retratado como o destino último da atual globalização e da própria história.

Será este o final da história? Ou será apenas o final da financeirização e a privatização do Ocidente?

A farsa neoliberal é que a privatizar o domínio público e deixar o setor financeiro assumir o planejamento econômico e social em países-alvo produzirá uma prosperidade mutuamente benéfica. Supõe-se que isto traga a submissão voluntária dos países estrangeiros à ordem mundial centrada nos EUA. Porém, o efeito real da política neoliberal tem sido de polarizar as economias do Sul Global e sujeita-las à austeridade contraída em dívidas. 

O neoliberalismo estadunidense reivindica que a privatização, financeirização e mudança de planejamento econômico dos EUA do governo para Wall Street e outros centros financeiros é o resultado de uma vitória Darwiniana alcançando tal perfeição que este será “o fim da história”. Isto é como se o resto do mundo não tivesse alternativa alguma a não ser aceitar o controle dos EUA sobre o sistema financeiro global (isto é, neocolonial), o comércio e a organização social. E só para ter certeza disso, a diplomacia estadunidense busca sustentar o seu controle financeiro e diplomático com a força militar.

A ironia é que a própria diplomacia dos EUA ajudou a acelerar uma resposta internacional ao neoliberalismo, ao forçar a junção de governos fortes o suficiente para retomar a longa tendência da história que vê os governos como empoderados para evitar que a dinâmica oligárquica corrosiva descarrilhe o progresso da civilização.

O século XXI começou com os neoliberais estadunidenses imaginando que a sua financeirização e privatização sustentadas em dívidas iria encerrar a longa extensão da história humana como um legado da Grécia e Roma clássicas. A visão neoliberal da história antiga ecoa aquela das oligarquias da antiguidade, que denigravam os reis romanos e os tiranos-reformistas gregos por ameaçar uma intervenção pública forte demais, quando eles visavam manter os cidadãos livres da escravidão das dívidas e tentavam garantir a sua propriedade autossustentável da terra. Aquilo que é visto como o ponto de decolagem decisivo é a “segurança dos contratos” das oligarquias, dando aos credores o direito de expropriar os devedores. Efetivamente, isto permanece como uma característica que tem definido os sistemas legais ocidentais nos dois últimos milênios.

Um verdadeiro fim da história significaria que as reformas param em cada país. Este sonho parecia estar próximo quando os liberais estadunidenses receberam mão livre para remodelar a Rússia e outros países pós-soviéticos depois que a União Soviética se dissolveu em 1991, começando com a terapia de choque de privatizar os recursos naturais e outros ativos públicos, passando-os para as mãos de cleptocratas orientados ao Ocidente, os quais registraram a riqueza pública nos seus próprios nomes – e as monetizaram ao vender as suas pilhagens aos EUA e outros investidores ocidentais.

Presumiu-se que o final da história da União Soviética consolidaria o Fim da História estadunidense, ao demonstrar quão fútil seria que as nações tentassem criar uma ordem econômica alternativa, baseada no controle público do dinheiro e dos bancos, da saúde pública, da educação grátis e outros subsídios das necessidades básicas, livres da financeirização de dívidas. A entrada da China na Organização Mundial do Comércio, em 2001, foi vista como uma confirmação de reivindicação de Margaret Thatcher que ‘There Is No Alternative’ (TINA – Não Há Outra Alternativa) à nova ordem neoliberal patrocinada pela diplomacia dos EUA.

Obviamente, há uma alternativa econômica. Olhando para o decurso da história antiga, podemos ver que o principal objetivo dos governantes antigos, desde a Babilônia até o Sul da Ásia e o Sudeste da Ásia, era de evitar que uma oligarquia mercantil e credora reduzisse a população em geral ao clientelismo, à escravidão da dívida e à servidão. Se agora o mundo eurasiano não vinculado aos EUA segue esta meta básica, ele estará restaurando o fluxo da história ao seu curso pré-ocidental. Isto não será o fim da história, mas retornaria aos ideais básicos do mundo não ocidental de equilíbrio econômico, justiça e equidade.

Atualmente, a China, a Índia, o Irã e outras economias eurasianas estão dando o primeiro passo, como uma pré-condição para um mundo multipolar, ao rejeitarem a insistência dos EUA de que eles se juntem às sanções comerciais e financeiras contra a Rússia. Estes países se dão conta que, se os EUA destruírem a economia da Rússia e substituírem o seu governo por procuradores [proxies] tipo-Yeltsin orientados aos EUA, os demais países da Eurásia seriam os próximos na fila.

A única maneira possível para que a história realmente acabe seria se as forças militares estadunidenses destruíssem cada nação que busque uma alternativa à privatização e financeirização neoliberal. A diplomacia dos EUA insiste que a história não deve passar por caminho algum que não culmine na dominação do mundo pelo seu próprio império financeiro através de oligarquias-clientes. Os diplomatas estadunidenses têm a esperança que as suas ameaças militares e o seu apoio a exércitos-por-procuração forçarão outros países a se submeterem às exigências neoliberais – a fim de evitar serem bombardeados, ou sofrerem ”revoluções coloridas”, assassinatos políticos e golpes militares tipo-Pinochet. Mas a única verdadeira maneira de dar um fim à história é através da guerra atômica para acabar com a vida humana neste planeta.

A Nova Guerra Fria está dividindo o mundo em dois sistemas econômicos contrastantes

A guerra por procuração da OTAN contra a Rússia na Ucrânia é o catalista que fratura o mundo em duas esferas opostas, com filosofias econômicas incompatíveis. A China, o país que cresce mais rapidamente, trata o dinheiro e o crédito como um serviço público alocado pelo governo, ao invés de permitir que o privilégio de monopólio da criação de crédito seja privatizado pelos bancos, conduzindo a que eles desloquem o governo enquanto o planejador econômico e social. Esta independência monetária, contando com a sua própria criação doméstica de dinheiro, ao invés de tomar emprestados os dólares eletrônicos dos EUA e denominando o seu comércio exterior e investimentos na sua própria moeda, ao invés de fazê-lo em dólares, é vista como uma ameaça existencial ao controle dos EUA sobre a economia global.

A doutrina neoliberal estadunidense pede que a história acabe ao “libertar” as classes ricas de um governo forte o suficiente para evitar a polarização da riqueza, e o seu declínio e queda últimos. Impondo sanções comerciais e financeira contra A Rússia, o Irã, a Venezuela e outros países que resistem à diplomacia estadunidense e, em última análise, à confrontação militar, é como os EUA pretende “espalhar a democracia” através da OTAN, da Ucrânia até os Mares da China.

O Ocidente, na sua iteração neoliberal dos EUA, parece estar repetindo o padrão do declínio e queda de Roma. Ao concentrar a riqueza nas mãos do Um Porcento sempre tem sido a trajetória da civilização ocidental. Isso é um resultado da antiguidade clássica ter tomado o caminho incorreto quando a Grécia e Roma permitiram o crescimento inexorável das dívidas, levando à expropriação de muitos cidadãos e reduzindo isso à escravidão e à oligarquia credora dos proprietários de terras. Esta é a dinâmica construída no DNA daquilo que é chamado de Ocidente e a sua “segurança de contratos” sem qualquer supervisão governamental pelo interesse público. Ao desfazer a prosperidade interna, esta dinâmica exige um constante acesso para extrair uma afluência econômica (literalmente uma “fluidez”) às custas das colônias nos países devedores.

Através da sua Nova Guerra Fria, os EUA visam garantir precisamente tais tributos econômicos de outros países. O conflito vindouro talvez possa durar vinte anos e determinará o tipo de sistema político e econômico que o mundo terá. A questão é mais do que só a hegemonia dos EUA e o seu controle dolarizado das finanças internacionais e da criação de dinheiro. Politicamente, a questão é a ideia de “democracia” que se tornou um eufemismo para uma oligarquia financeira agressiva que busca se impor globalmente através do controle financeiro, econômico e político predatório, apoiado pela força militar.

Como eu procurei enfatizar, o controle oligárquico do governo tem sido uma característica distintiva importante da civilização ocidental desde a antiguidade clássica. E a questão-chave para este controle tem sido a oposição aos governos fortes – quer dizer, de governos civis fortes o suficiente para evitar que surja uma oligarquia credora que monopolize o controle da renda e da riqueza, tornando-se uma aristocracia hereditária, uma classe rentista que vive das rendas de terras, de juros e privilégios monopolistas que reduzem a população em geral à austeridade.

A ordem unipolar centrada nos EUA que tem a esperança de “terminar a história” refletiu uma dinâmica econômica e política básica que tem sido uma característica da civilização ocidental desde que a Grécia e a Roma clássicas adentraram um percurso diferente da matriz do Oriente Próximo no primeiro milênio AC.

Para salvar-se de serem arrastados para dentro do redemoinho da destruição econômica que engolfa o Ocidente agora, os países no rapidamente crescente coração da Eurásia estão desenvolvendo novas instituições econômicas baseadas numa filosofia social e econômica alternativa. Sendo a China a maior e mais rapidamente crescente economia na região, as suas políticas socialistas provavelmente terão influência na modelagem deste sistema financeiro e comercial não-ocidental emergente.

Ao invés da privatização ocidental da infraestrutura econômica básica criar fortunas privadas através da extração de renda monopolista, a China mantém a sua infraestrutura em mãos públicas. A sua grande vantagem sobre o Ocidente é que ela trata o dinheiro e o crédito como serviços públicos a serem alocados pelo governo, ao invés de permitirem que os bancos privados criem crédito, com as dívidas se amontoando, sem expandir a produção para elevar os padrões de vida. A China também está mantendo a saúde, a educação, os transportes e as comunicações em mãos públicas – para serem providas como direitos humanos básicos.

De muitas maneiras, a política socialista da China é um retorno às ideias básicas de resiliência que caracterizaram a maior parte das civilizações anteriores à Grécia e Roma clássicas. Ela criou um estado suficiente forte para resistir ao surgimento de uma oligarquia financeira que assuma o controle da terra e dos ativos produtores de renda. Em contraste, as economias ocidentais atuais estão repetindo precisamente aquele impulso oligárquico que polarizou e destruiu as economias da Grécia e Roma clássicas, com os EUA servindo como o análogo moderno de Roma.

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