Dilma Rousseff

Direito à História

A menção de Lula ao golpe contra Dilma não poderia chegar em melhor hora

Em meio a uma entrevista coletiva em Montevidéu, o presidente Lula fez questão de se referir ao  ex-presidente Michel Temer como "golpista". Usou a alcunha ao analisar, com dose de indignação, o desmonte promovido pelas gestões subsequentes, dos programas de proteção social criados ao longo dos governos petistas: “O Brasil não tinha mais fome quando eu deixei a Presidência da República e hoje tem 33 milhões de pessoas passando fome, significa que quase tudo que nós fizemos de benefício social no meu país, em 13 anos de governo, foi destruído em seis anos, ou melhor, em sete anos; três do golpista Michel Temer e quatro do governo Bolsonaro”. 

A menção de Lula a uma chaga histórica que representou um divisor de águas na vida nacional evidencia a disposição do mandatário de manter disputa constante com aqueles que pretendem sujeitar não apenas o seu mandato como também, sob arranjo falacioso, manietar a sua pessoa. 

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Como não poderia deixar de ser, a manifestação lulista ensejou reações irritadas não apenas do próprio Michel Temer, cujo nome já está para sempre amalgamado ao epíteto aludido por Lula, como também de colunistas e editoriais dos veículos da mídia. Esta, aliás, sócia de referência da derrubada da presidente Dilma Rousseff em 2016 naquilo que entrou para a história como o golpe do impeachment. 

Editorial do Estado de S.Paulo  inconformou-se: "Justamente no momento em que o país mais precisa de um estadista capaz de reconstruir pontes e fomentar o diálogo...Lula colabora para manter em carne viva o tecido social". 

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Para surpresa de ninguém,  "O Globo" mostrou-se irresignado no mesmo dia, tom e local: "Que golpe é esse que ninguém viu?", diz seu editorial intitulado "Governo tenta reescrever a verdade sobre impeachment". Já o jornal Valor, também da Globo, expressou no editorial ("Brasil volta à cena externa com diplomacia passadista") que "Lula propagandeou sua versão da história, ao mencionar o 'golpe' de Estado que depôs Dilma e chamar o ex-presidente Michel Temer de 'golpista'". 

O coro reencarna as performances afinadas da orquestração que maculou o processo democrático brasileiro entre 2013 e 2016, com as consequências trágicas de conhecimento geral. O solo de Jair Bolsonaro na cerimônia do impeachment, com sua homenagem à tortura,  está gravado para sempre na memória de todos. É de se notar também a defesa que o referido oligopólio midiático exerce em uníssono da figura de Michel Temer, bem como da existência de pedaladas fiscais, ardil arquitetado para revestir de legalidade um processo político que já foi desmoralizado pelo Tribunal de Contas da União, pela Comissão Mista de Orçamento do Congresso e até por ministros do Supremo Tribunal Federal. 

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A declaração de Lula em Montevidéu não poderia ser mais bem-vinda: ela serviu para revelar e afastar de seu mandato os poderes que na verdade desejam forçá-lo a trair sua trajetória, a jurar fidelidade a seus algozes, numa operação destinada não a almejada pacificação, mas na verdade a uma rendição. Serviu para saber que dos meios oligopolistas de comunicação não se pode esperar boa vontade, autocrítica e respeito à verdade histórica. 

O golpe contra Dilma esteve ligado de  forma umbilical à prisão do presidente Lula. É impossível apoiar a legalidade do primeiro sem coonestar a sucessão de eventos que resultou no segundo. Ao repor a história do Brasil em seu lugar, ao não deixar pisotearem a sua história, Lula arrombou também as grades da nova prisão em que velhos poderes, incrustados dentro e fora da máquina pública,  pretendem, prometendo simpatia, controlar seu mandato.

Leonardo Attuch

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Leonardo Attuch é jornalista e editor-responsável pelo 247.