Uma Organização (não) é uma Família ? (Parte 1)

Uma Organização (não) é uma Família ? (Parte 1)

Uma Organização (não) é uma Família ? (Parte 1)

1920 1080 Hugo Gonçalves

É fácil viver no mundo conforme a opinião das pessoas. É fácil, na solidão, viver da forma que se quer. Mas a grande Pessoa é aquela que, no meio da multidão, mantém com perfeita doçura a independência da solidão

RALPH WALDO EMERSON

Uma Organização (não) é uma Família ? (Parte 1)

“Somos como uma família.” Esta é uma frase que se tornou bastante popular nos nossos locais de trabalho. Certamente para dar uma aura de maior leveza, acolhimento, empatia e espírito de equipa.

As salas descontraídas com puffs, playstations, acesso a locais regeneradores com música, plantas e luz natural. Tudo isso proporciona de facto um ambiente que normalmente associamos àqueles que nos rodeiam quando convivemos com as nossas famílias – as designadas (os nossos familiares) e as escolhidas (os amig@s). ?

É natural que queiras formar vínculos e relacionamentos significativos com as pessoas com quem passas uma boa parte do teu tempo. E tudo bem! Mas eles não são a tua família. ?

Não quero, de forma alguma, “diminuir” o impacto de um ambiente de trabalho colaborativo, transparente, seguro. Apenas me interrogo que chamar isso de família, num contexto empresarial e de negócio, faz sentido nos dias de hoje (estou a excluir daqui os contextos onde as empresas têm de facto uma nuance familiar vincada). ?

A Organização como sendo uma Família tem por detrás uma boa índole e boas intenções e, até um certo ponto, trouxe bons resultados.

No entanto, o que tem sido muito menos reconhecido e discutido é como essa aproximação do trabalho/organizações às nossas dinâmicas pessoais e sociais não tem sido uma abordagem de equilíbrio ou caminho do meio, mas em muitos casos passou completamente para o outro extremo.

E isso pode ser impactante de uma forma não tão fixe para a nossa saúde emocional, que considero a verdadeira causa-raiz para muitas das questões da saúde mental e outros desequilíbrios anímicos associados ao trabalho.

Em primeiro lugar, e apenas para contextualizar o termo “família” para o propósito deste artigo e do âmbito do mesmo – Organizações e Trabalho – partilho contigo a minha visão (idílica ?mas na qual acredito) sobre o conceito:

Vejo a família como as Pessoas que estão unidas pelo espírito e aspirações e não apenas pelo sangue. Família é quem ama, quem cuida, quem está presente, quem respeita, quem partilha, quem é um parceir@ de florescimento e de nutrição – mental, emocional e existencial. 

É quem escolhe de forma regular ou pontual partilhar interesses, aspirações e caminhos na nossa vida. É quem nos abre horizontes e estabelece limites e quem nos ajuda a sermos autónomos a fazer ambos por nós próprios. 

É quem nos empurra ou segura conforme estamos em precipícios de descoberta e evolução ou em outros de perigo e ilusões. ? No limite, tu própri@, nos teus respetivos mundos interiores, és a família primordial. É desse ponto de partida que surge a Auto Liderança. ?

// O PODER DE SABER NAVEGAR ENTRE A COLABORAÇÃO E OS LIMITES

Estabelecer limites é algo complicado para muitos de nós, porque não entra nos curricula das escolas e universidades. Pudera, é uma abordagem de inteligência emocional e não de factos ou dados.

Gosto de pensar na colaboração como um jogo entre a abertura e a fronteira. Sendo que na primeira exploramos, imaginamos, recebemos, indagamos. A segunda baliza âmbitos, define critérios, prioridades, necessidades.

Uma fronteira não é uma barreira. Uma colaboração não é uma abdicação.

São essas dimensões que acontecem simultaneamente que nos permitem ser curiosos sobre o que é que as Pessoas e Mundo precisam, e dentro de uma organização sincronizar talentos, experiência, competências.

Provavelmente durante a nossa vida escutamos e faz todo o sentido que, pela família, Tudo!

Nas empresas e no trabalho muitas vezes escutamos “somos como uma família e temos de dar a volta a isto” e nosso cérebro apenas dispara em “dá tudo, não importa o que aconteça, o resto não é importante”.

Sacrificamos os nossos limites, o nosso tempo, os nossos relacionamentos, as nossas necessidades e assim surgem as grandes oscilações emocionais, de excesso de trabalho, os burnouts.

Desta forma, competências, habilidades, focos e comportamentos fulcrais para as Organizações como a Criatividade, Colocar Questões, Empatia pelos Clientes e Utilizadores – dimensões da literacia organizacional, são colocadas em causa.

Não há energia, não há vontade, não há, foco, não há Eu, não há Nós!

Sei que em muitos casos, salvamos os negócios. Mas será que “salvamos” as Pessoas?

Se acompanhas o blog de forma regular ou mais pontual, acho que reconheces que independentemente dos temas dos artigos, existem alguns princípios chave que os alimentam.

E um deles é que devemos “desenhar” e projetar o trabalho em torno da nossa VIDA (tal como ela se manifesta em Amor, Equilíbrio, Alegria, Prosperidade, etc. em cada um de nós) e não tentarmos espremer as nossas vidas no espaço e contextos profissionais que temos.

Este segundo caminho pode levar a um overload e a uma “desumanização” das nossas atividades e comportamentos durante uma parte do dia. E acredita, que tendo em conta tudo o que passamos nos últimos anos, estamos a passar e o que ainda está para chegar, dar folga à nossa humanidade no trabalho é mau negócio. ?

Em muitas situações, a nossa identidade ainda está associada ao que fazemos profissionalmente (o que parcialmente faz sentido) e aos critérios de sucesso organizacionais (o que não faz sentido nenhum).

// O IMPACTO MENOS POSITIVO DE VER UMA ORGANIZAÇÃO COM UMA FAMÍLIA (E NÃO ESTOU A FALAR DA MAFIA) ?

Os líderes, managers e acionistas salivam?por colaboradores produtivos e de alto desempenho, Que muitas vezes são resultado de um sincronismo místico entre o mix de Pessoas que trabalham bem uns com os outros, de forma eficaz e eficiente.

Mas trazer as abordagens, contextos, formas de interagir e toda a “bagagem” do conceito família pode trazer os seguintes impactos:

AS LINHAS PESSOAIS E PROFISSIONAIS COMEÇAM A ESBATER-SE

“Família” significa coisas diferentes para pessoas diferentes. Nem todos querem conectar com seus colegas de trabalho a um nível mais profundo.

Quando uma organização usa a metáfora da família nas empresas, ela cria uma cultura positiva, motivadora e impulsionadora.

Mas isso também traz o politicamente correto, o pensamento de grupo, o não existirem conversas com significado, com o intuito para se manter uma determinada harmonia, mesmo que contraproducente para a colaboração, resultados e inovação.

Isso pode ser ainda mais desafiador num ambiente virtual ou híbrido, especialmente em organizações onde grande parte dos colaboradores nunca trabalharam remotamente.

Para além de uma menor transparência, conversas polarizadas – (ou apenas emocionais ou apenas sobre processos) aparece uma virose na família organizacional – o patriarcado ou matriarcado (nas business schools eles chamam isto de micro gestão). ? 

UM SENTIMENTO EXAGERADO DE LEALDADE TORNA-SE CONTRAPRODUCENTE

Quando um dos nossos está em aflição com alguma necessidade a nível de saúde, emocional, de suporte, raramente pensamos duas vezes.

A lealdade colocada num contexto organizacional tem muito que se lhe diga. Quando colocada num patamar de transparência, respeito pelas boas práticas e pelo que foi combinado, dando suporte quando as coisas não correm bem (colegas) e assumindo a responsabilidade quando uma equipa é colocada em causa (líderes), é espetacular e permite que cenas como o Coaching, Design Thinking, Agile e as Liberating Structures de facto façam as Pessoas, Negócios e Processos “prosperarem” de forma simultânea.

Uma lealdade em “esteroides” traz bastantes desafios. Numerosos exemplos e pesquisas mostram que pessoas excessivamente leais são mais propensas a participar de atos antiéticos para manter seus empregos ou para serem leais a quem de alguma forma tem um papel de poder. 

Contribuem de forma menos relevante para a inovação ou criação de possibilidades, para serem leais ao que conhecem e ao business as usual. O propósito torna-se a servir e agradar, não evoluir e criar valor. Mau (para o) Negócio. ?

CRIA-SE UMA DINÂMICA DE PODER DESIGUAL (FORA DO “NORMAL” NAS HIERAQUIAS)

Podemos ser solicitados a trabalhar horas não razoáveis (de forma regular) ou em projetos ou tarefas não relacionadas com a nossa  função, ou manter as coisas em segredo porque é do melhor interesse da empresa (leia-se: família). Estamos todos juntos nisso, certo?

Quando os colaboradores trabalham com essa mentalidade, é apenas uma questão de tempo até que o desempenho e a produtividade caírem a pique.

Devido ao esgotamento, ao desgaste e a todas as emoções associadas ao não alinhamento da nossa bússola moral – respeito próprio e respeito pelas Pessoas e Mundo.

Já todos sabemos que nas organizações existem “Filhos e enteados”. ?

Nesta metáfora (bem real às vezes) isso faz com que @s líderes sejam os pais e os colaboradores os filhos? Isto faz sentido? 

COMPROMETE-SE A EVOLUÇÃO E DESENVOLVIMENTO EQUÂNIME DAS PESSOAS

O desenvolvimento das Pessoas, Equipas e Organizações ocorre de forma diferenciada numa empresa e numa família.

Conversas concretas, honestas, sobre cenas complicadas são necessárias.

Para bem das Pessoas, Organização e Negócio, é importante que factos e emoções estejam bem balanceadas. Questões, colocar em causa, esgrimir argumentos faz parte e, bem preparados e atentos, acho que é possível faze-lo com verdade e leveza num contexto profissional. 

Estou a rebolar-me a rir com algo que me surgiu agora – com o conceito de demissão, melhoria de desempenho, treino, em ambiente familiar. Já imaginaste:

  • Enviar o teu pai para um curso de Liderança Situacional? 
  • A tua mãe recomendar ao Learning&Development para frequentares um workshop de Organização do Trabalho e Gestão de Tempo? 
  • Exigires a uma tia uma formação em Escuta Ativa, para que os outros 34563 participantes de um jantar familiar possam também conversar e contribuir com as suas histórias?

Será que, nos meus relacionamentos, alguém já teve vontade de me mandar para um processo de Coaching ou Mentoring a ver se ganho juízo? ?

(a resposta a esta última definitivamente deve ser um sim) 

Por muito objetivo que isto seja, no fim das contas (e tirando contextos excepcionais ou frágeis a nível da sobrevivência), de alguma forma estamos a escolher estar a trabalhar naquela empresa, com aquelas pessoas.

E nesse sentido, podemos definir, orientar, preparar, partilhar objetivos, boas práticas, conhecimento e recursos. 

O que diferencia é o que realmente fazemos com isso de forma individual e em grupo. 

// CODA

Uma ”boa” organização pode não te proporcionar o que uma família te dá.

Mas irá compensar-te emocional, relacional e financeiramente de forma justa pelo teu tempo, esforço, talento e vontade de evoluir.

Um bom local de trabalho garantirá um espaço seguro e respeitoso e ajudar-te-á a crescer e a desenvolver as tuas competências.

Sentirás, de uma forma ou outra, que pertences, que Quem És contribui de forma individual e colaborativa para algo mais. 

Que existe uma função, papel, contribuição destinada a ti e que tu sabes qual é e que os outros, independentemente da hierarquia, também têm essa noção.

Irás sentir-te parte da Tribo

E é sobre como se pode manifestar uma Organização em modo Tribo (princípios, cerimónias, artefatos, responsabilidades individuais e colaborativas) que irei divagar e concretizar na segunda parte deste artigo.

Obrigado, Abraço e Fica Bem,

H

    WP to LinkedIn Auto Publish Powered By : XYZScripts.com